A TV Impossível

dez/2019

Palestra no Scream 2019
(06 de dezembro)

Reflitam por 30 segundos como virou clichê chamar os serviços de Uber ou de Netflix de disruptivos. Agora, pensem em como eles parecem óbvios olhados com a perspectiva de hoje. É natural, depois que tudo foi realizado, a gente considerar que esse era o caminho a seguir e que seria só uma questão de tempo chegar até essas ideias. Por fim, reconheçam que, apenas vinte anos atrás, eles não seriam chamados de disruptivos e nem de óbvios: seriam simplesmente classificados como impossíveis. Ideias impossíveis: é sobre isso que gostaria de falar com vocês.

Eu me chamo Pablo Reis, sou jornalista, gerente de conteúdo e inovação da Aratu e também apresentador. Trabalho com tv aberta há quinze anos e Para sermos honestos, além da transformação de preto e branco para a cores, ou de transmissões exclusivamente ao vivo para gravadas ou ao vivo, ou a qualidade da imagem (atualmente 4k), pouca mudança substancial ocorreu no conceito da televisão aberta, desde que foi inaugurada no Brasil, ainda na década de 50. Muita inovação foi incorporada ao conteúdo (a televisão brasileira é reconhecidamente a melhor do mundo), mas quase nada aconteceu de diferente no formato tv aberta em sete décadas.

E isso parece muita coisa para uma mídia que era tratada como uma ameaça ao rádio e ao cinema.

Qual seria, hoje, a tv impossível de amanhã? O que podemos pensar como solução inatingível que, depois de implementada, seja encarada como obviedade?

Há muitos anacronismos em como a televisão está inserida no mundo atual. Um deles se chama programação. Percebam como esse estatuto da programação de tv pode ser visto como algo medieval: de alguma forma, parece que estamos torturando nossos consumidores para que eles tenham acesso ao que produzimos. 

Eu costumo pensar a tv de hoje como uma grande delicatessen, que oferece dos mais deliciosos produtos que os amantes de lanchonete já sonharam. Com um detalhe: o suco de laranja só é servido das 6h45 às 7h30; quem chega de 7h30 às 8h30 têm direito a pedir apenas sanduíche misto; já de 8h30 às 9h temos na prateleira só bolo de cenoura com calda de chocolate; das 9h às 10h30 vitamina de banana… e, vocês já entenderam, chegamos às 21h30 até 22h com disponibilidade apenas de uma canja de galinha.

 

Já no outro modelo de delicatessen de conteúdo concorrente (que seriam as ferramentas VOD, o Youtube) não há nada disso: você pode consumir qualquer produto, a qualquer hora, e ainda avisar se quer o misto com uma fatia a mais de queijo, ou se o suco de laranja vem com cenoura também, para se igualar a uma receita que nossa avó fazia.

 

Esse é apenas um dos muitos exemplos sobre como a tv via satélite tem uma dificuldade em atender demandas de indivíduos.

O que nos levou a esse ponto de naturalizarmos e aceitarmos esse modelo que, apenas nos últimos três ou quatro anos, se mostra tão contraditório à realidade atual?

Para chegarmos a esse cenário é inevitável mencionarmos a audiência e a forma como ela é medida.

O ponto de ibope, a unidade mínima de aferição do resultado do nosso trabalho, nunca se refere a uma pessoa isolada ou a uma família determinada. Aqui em Salvador falamos sobre 13,5 mil lares, ou 36 mil indivíduos quando nos referimos a apenas um ponto de ibope. Isso sempre foi considerado uma demonstração de imponência do veículo, mas hoje pode ser visto como uma fraqueza.

Esse modelo apresenta muitos intermediários: por exemplo, o instituto de pesquisa, a agência de propaganda. E aqui não estamos propondo a extinção das agências de propaganda, e nem dos institutos de pesquisas, ao contrário. Consideramos que é possível remodelar as atribuições e expertises de cada um para que o processo inteiro se torne mais homogêneo, barato, eficaz e sustentável.

É muito chato ser o arauto dos problemas, o mensageiro das más notícias. Então, vou preferir insinuar, mesmo que timidamente, algumas possibilidades. Talvez, direcionar nossos esforços para chegar em três metas complementares nos indique os caminhos dessa tv impossível:

  1. Mentalidade de cliente – lembra quando falei sobre a gente estar torturando nossos consumidores? Pois é: quem quer fazer com que pessoas se adaptem às programações de uma empresa, e não o contrário, certamente pode chamá-los de qualquer coisa, menos de cliente. Ao mudarmos nossa relação, deixaremos um pedestal meio arrogante que faz com que achemos que o conteúdo do nosso trabalho é tão bom que é quase um favor o que estamos fazendo pela humanidade.

     

  2. Responsividade – a tv exigiu a criação de recursos muito acurados de apuração imediata de resultados: o sistema real time é um deles. Com isso, comportamentos de migração de audiência são medidos e transmitidos a cada minuto. De fato, esse recurso funciona bem para monitoramento e ação sobre os conteúdos exibidos. Só que não podemos falar em responsividade, como aquele conceito de design thinking que fala em adaptação às experiências do cliente. Nós oferecemos pouco respostas porque, na maioria das vezes, nem sequer sabemos os motivos de sermos acionados individualmente.
  3. Autonomia – esse é o ativo que as plataformas VOD já dominam com bastante eficiência, tornando o usuário autônomo para as mais variadas escolhas que fazem dele um cliente satisfeito. A tv aberta deixa pouca margem de ação para seus usuários.

 

E por que o cliente extremamente satisfeito precisa ser a meta a ser alcançada pelas emissoras de televisão aberta?

De uma rede de supermercados a uma farmácia, do restaurante ao posto de gasolina, praticamente qualquer um que lide com cliente tem a pretensão de conhecer muito mais sobre seus hábitos e costumes, a fim de lhes servir melhor.

A partir disso, talvez a descoberta de que o DNA da nova televisão (assim como o DNA da antiga era oferecer conteúdo gratuito) seja realizar conexões: entre pessoas e pessoas, entre clientes e empresas, entre problemas e suas soluções.

Com essa mudança de paradigma, podemos passar a literalmente vender resultados – como o Google e outros já fazem – e não apenas promessas de resultados. Por que a tv não pode olhar para si própria e reinventar seus propósitos do mesmo jeito que o criador do uber olhou para uma longa fila de táxi e pensou por que não?

Por que não passarmos a olhar para nossos milhões de clientes e perguntarmos de forma genuína: em que posso te servir hoje?

Nós temos consciência de que as respostas para esses questionamentos não virão da Aratu, mas talvez de algum gigante de comunicação, de uma startup unicórnio, ou de um conglomerado. De nossa parte, oferecemos inconformismo.

De que forma nós estamos buscando aprender com e a superar esses paradigmas? Nos aproximando cada vez mais do indivíduo. Colocando em prática constante ações que visem leitura de QR codes, envio de mensagens por whatsapp, de forma que possamos coletar mais informações sobre os comportamentos individuais, e não sobre dinâmicas de grupos.

Desde 2016, abrimos toda a nossa grade de tv para a internet, oferecendo o conteúdo completo, ao vivo, em todas as plataformas. Também fomos além, criamos até o momento 36 programas extra, exibidos apenas no digital, através do AratuOn.

Recentemente, promovemos um hackathon em que 80 pessoas, de diferentes formações e experiências, foram convidadas a responder como podemos, de forma sustentável e prática, medir esse comportamento dos nossos clientes.

A TV Aratu quer aproximar o que é futuro do que é presente. Os acionistas reconhecem que grandes ousadias podem envolver grandes riscos e, assim, cobram iniciativas não óbvias. Há três anos, por exemplo, desenvolvemos e aperfeiçoamos uma ferramenta inédita e pioneira no mundo, que apelidamos de TV de Um Homem Só, ou 1PTV. É a possibilidade de fazer programas ao vivo, de longa duração, usando apenas um indivíduo, que faz o papel de operador de áudio, de câmera, diretor de tv, produtor, editor e ainda apresentador do próprio programa. Isso existe na Aratu há três anos e até hoje não há notícia de nenhuma emissora do planeta que tenha repetido a ação de forma sistemática, ao vivo e diária.

É uma entre muitas estratégias que fazemos para baratear ao máximo a produção e distribuição de conteúdo, sem comprometer a experiência do cliente. E buscando entender a cada momento o que move a pessoa que sintoniza o canal 4.1. ainda há muito a ser feito na questão principal: conhecer e atender cada um individualmente.

O célebre escritor e jornalista irlandês George Bernard Shaw já disse certa vez que “o homem sensato adapta-se ao mundo, o insensato insiste em tentar que mundo se adapte a si, sendo assim, o progresso depende dos insensatos”. Quem está disposto nesse segmento de tv a ser o louco de hoje para arriscar se tornar o visionário de amanhã?

Pablo Reis

Pablo Reis

Colunista

Gerente de conteúdo e inovação do grupo Aratu

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