fev/2018

Por Paulo Macedo e Felipe Turlão
(Publicado na PROPMARK)

Em redes sociais como Facebook e Twitter, boatos causam confusão e anunciantes ameaçam cortar investimentos

Notícia requer fato, apuração e verdade. Factoides não combinam com a essência do jornalismo. Ficção só na literatura, teatro e cinema. As chamadas fake news têm atraído a atenção pelo estrago que costumam fazer na reputação de pessoas e marcas nesse momento de difusão instantânea pelas redes sociais. Pós-verdade, boato controlado, imaginação fértil e distorção da essência contaminam a prática investigativa com versões mascaradas de algo verossímil.

Desde a época dos pasquins italianos no século 16, difamar figuras públicas com noticiário falso é um tipo de estratégia de comunicação. No Brasil, em ano eleitoral, o sinal de alerta está ligado. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tem uma resolução prevendo prisão do político que usar esse expediente.

“As fake news foram uma arma até em guerras mundiais, como forma de confundir os inimigos. Mas com as redes sociais, houve uma maximização do fenômeno, porque o alcance ficou grande e incontrolável.

Já víamos isso no Orkut, Twitter e Facebook, mas, agora, o WhatsApp está ajudando na disseminação dessas notícias, com alcance mais difícil de ser identificado”, analisa Helena Jacob, professora de relações públicas da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado).

Embora as fake news tenham conquistado popularidade por conta do universo da política – a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos foi o começo de intensas discussões sobre notícias falsas – as marcas, agências e veículos também devem fazer parte da conversa. Uma prova do potencial danoso foi o caso do “rato na garrafa de Coca-Cola”. Em 2014, o Tribunal de Justiça de São Paulo colocou ponto final em uma ação movida em 2003 por Wilson Rezende. Segundo a corte, esse rato “nunca existiu”. Mas a dor de cabeça foi grande para a empresa, que precisou se manifestar publicamente e levar peritos para checarem seus processos de embalagem do produto. “As fake news viraram uma estratégia de comunicação, sem ética, mas efetiva”, avalia Helena.

“Para combater fake news é preciso decodificar dados, com rapidez, e massificar. Inclusive no WhatsApp. É preciso criar um complexo de comunicação nas agências de publicidade e relações públicas, veículos e anunciantes para isso. Será preciso amarrar comunicação para mídia de massa e segmentada. Os planos de comunicação precisarão ser mais adaptáveis e dar espaço para estratégias de combate às fake news. Afinal, as marcas precisam se comunicar de forma ética e transparente. E uma fake news pode destruir tudo”, acrescenta a professora da Fecap.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) está atenta à prática. “Estamos atuando com outras entidades contra o fenômeno. É preciso, porém, uma ação mais firme dos gigantes digitais, em particular Google, Facebook e Twitter. Como o negócio deles é vender publicidade direcionada baseada também no teor dos conteúdos compartilhados, a eliminação das notícias falsas tenderia a afetar suas audiências e, portanto, as receitas. Eles estão conscientes de que devem e podem fazer mais, sobretudo valorizando os jornalistas e veículos profissionais. No entanto, o que se vê no caso do Facebook, por exemplo, é exatamente uma série de anúncios no sentido oposto. O uso do WhatsApp para difusão de mentiras é ainda mais perverso, porque o sistema torna muito difícil identificar qual a origem do que está sendo disseminado. Como o Brasil é um dos maiores usuários de WhatsApp do mundo, é de se prever uma grande influência das notícias falsas nas eleições de 2018”, pondera Marcelo Rech, presidente da ANJ, vice-presidente editorial do Grupo RBS e VP do Fórum Mundial de Editores.

Rech acrescenta: “A grande expressão do futuro é segurança de marca. Uma marca leva décadas para construir sua reputação e agora alguém pode destruí-la em segundos, de diferentes formas, desde a contribuição involuntária de um funcionário que faz um comentário nas redes e acaba extrapolado até a pura e simples invenção de uma notícia falsa com aspectos profissionais. Outro grande risco é a publicidade programática. Todos nós acompanhamos a questão do suposto ritual satânico em Novo Hamburgo. O dono do tal templo mantém um site chamado Templo de Lucifer. Na homepage do site, marcas conhecidas aparecem em publicidade display, em revezamento, como parte de sua publicidade programática – seguramente, essas marcas não têm a menor ideia onde e com quem estão sendo associadas”.

Na avaliação de Fabio Gallo, presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas) e diretor de operações do Grupo Abril, o maior risco é a manipulação da opinião pública. “As fake news são um risco para o indivíduo, para grupos, governos e empresas. Não por acaso algumas grandes corporações já estão revisando suas políticas de investimento publicitário, pressionando as redes sociais a tomarem medidas contra a disseminação de notícias falsas e a divulgação de conteúdo impróprio ou que incentive o ódio. Não há forma mais adequada de se proteger desse tipo de ameaça do que se informar por meio de quem construiu credibilidade ao longo do tempo. Pode ser uma pessoa. E, claro, os veículos de informação, mais uma vez, desempenham um papel fundamental. No geral, eles estão do lado certo dessa batalha. Os anunciantes estão compreendendo a dimensão social do problema. É isso que faz com que, por exemplo, a Unilever, segundo maior anunciante do mundo, afirme que pode rever sua política de investimento publicitário, caso os veículos digitais não mostrem determinação em combater a disseminação de notícias falsas ou de conteúdos de ódio (N. do R.: leia mais sobre o assunto na página 35). Na frente do jornalismo, a responsabilidade dos veículos cresce. A apuração dos fatos, a reportagem e os mecanismos de checagem da informação nunca foram tão importantes”.

Para Mario D’Andrea, presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) e da Dentsu, as fake news desmontam reputações, criam falsos ídolos, acirram os ânimos e envenenam o debate de ideias. “Como consequência, fica muito mais difícil construir marcas e estabelecer relações de confiança entre consumidores e produtos num ambiente de baixa credibilidade. Nos Estados Unidos, apenas 35% das pessoas declararam confiar nas notícias que leem nas redes sociais (em jornais/revistas este índice sobe a quase 70%). Por isso, as redes sociais são muito mais rápidas em alcançar as pessoas, e muito mais lentas em conquistar o coração e mentes dessas mesmas pessoas. Reputação é algo que já está fazendo diferença para as pessoas – mesmo entre os mais jovens. Nos EUA, o hábito de leitura de jornais tradicionais, seja na versão impressa ou digital, aumentou entre as faixas etárias mais jovens (menores de 18 a 34 anos), segundo a CivicScience. Os 11 maiores jornais brasileiros registraram crescimento de 16,6% em assinaturas digitais no ano passado, segundo o IVC (Instituto Verificador de Comunicação). Ou seja, o modelo de negócio pode ter mudado, mas uma coisa continua sendo fundamental na relação entre veículo e leitor: a credibilidade”, diz D’Andrea.

Hamilton dos Santos, diretor-executivo da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), lembra da rádio-peão, alimentada pelo ocultamento das informações nas empresas. “As empresas passaram a investir em fact-checking. Atualmente, muitas equipes de comunicação corporativa têm checadores de informação, pessoas que monitoram as redes sempre com a preocupação de proteger a reputação das marcas e dos profissionais ligados a essas organizações. O perigo das fake news para as empresas é que elas estão, pela primeira vez, enfrentando um monstro que não está relacionado com a verdade e surge do nada.”

 

O Facebook mandou um comunicado ao PROPMARK.

“Sabemos que as pessoas querem ver informações precisas no Facebook, e nós também. Todos temos a responsabilidade de combater a desinformação – empresas de tecnologia, organizações de mídia, instituições de ensino e governos. Ao longo do último ano realizamos diversas atualizações para conter a propagação de conteúdo de baixa qualidade na plataforma. Em muitos casos, os sites que espalham desinformação têm motivações econômicas, e uma de nossas ações foi revisar centenas de milhares de sites vinculados a páginas no Facebook em todo o mundo, inclusive no Brasil, para identificar aqueles que tinham pouco conteúdo e um grande número de anúncios mal-intencionados. Recentemente também, por exemplo, fizemos uma atualização no feed de notícias para reduzir a distribuição de matérias com manchetes caça-cliques. Também temos iniciativas para ajudar as pessoas a tomar decisões mais conscientes sobre o conteúdo que consomem na internet e fora dela, como recentemente anunciamos o apoio a projetos de news literacy no Brasil para ajudar as pessoas no consumo de informações na era digital.”

O Twitter também se manifestou: “Por sermos uma plataforma pública e aberta, nossa comunidade global de usuários, incluindo veículos de comunicação de todo o mundo, tem a possibilidade de ver, apontar e corrigir inverdades em tempo real. Este tipo de engajamento está presente no dia a dia do Twitter e é inerente à natureza da plataforma. Além disso, trabalhamos para garantir que conteúdos relevantes e de qualidade estejam em evidência no Twitter – exemplos disso são a curadoria de tweets feita pelo nosso time editorial, composto por jornalistas (Moments), e nossa atuação na área de parcerias de notícias, cujo objetivo é estreitar o relacionamento com veículos de comunicação a fim de entender suas necessidades e ajudar a ampliar o acesso a seus conteúdos”.

A executiva Maria Chizhikova, coordenadora de mercado da SEMrush no Brasil, chama a atenção para as mídias que publicam notícias falsas na esperança de ganhar mais tráfego. “Pode ser o começo do fim da reputação do veículo. Essa história pode ser relacionada à fábula do pastor mentiroso e o lobo. O pastorzinho espalhava fake news sobre ataques do lobo, conseguindo chamar a atenção do público dele até que um dia, mesmo com a notícia verdadeira, não conseguiu engajamento nenhum, porque o público perdeu a confiança e o interesse”. “Os jornalistas nunca foram tão necessários; os PhDs, os doutores precisam ser valorizados, iluminados de todas as formas. Não podemos observar a metade do copo que está vazia. A comunicação publicitária deve acompanhar este movimento, incentivar o bom conteúdo e o bom jornalismo”, acrescenta Cris Camargo, diretora-executiva do IAB (International Advertising Bureau).

 

Imagem: iStock