Para quê Diversidade?

maio/2022

O que as respostas revelam.

 

Uma das máximas do mundo da Publicidade, Propaganda e Marketing irá nortear este texto: “quais dores o seu negócio tira do mundo?”. Isto porque, obviamente, podem existir – e existem – inúmeras possibilidades de respostas adequadas ao que sua empresa faz. Mas a reflexão que quero propor, com o intuito de, também, provocar é sobre “quais dores o seu negócio não tira do mundo?”, ou, ainda mais desafiador: “quais dores o seu negócio deveria tirar do mundo?”. Reitero, para obter respostas assertivas é importante fazer as perguntas certas. Isso faz a diferença!

A atenção costuma estar sempre voltada às respostas objetivas e explícitas, mas em cada silêncio pode estar – e geralmente está – contido uma série de outras respostas… implícitas ou tão explícitas quanto aquelas ditas; reveladoras. Tudo comunica, por isso, às vezes, o medo de se posicionar emite, por si só, um posicionamento, ainda que não se queira, e até contrário ao que se poderia querer. É preciso assumir as responsabilidades.

É isso que os mercados tem exigido: realidade. Por muito tempo o campo das mídias se mostrou como um difusor de imagens inalcançáveis, e era isso que impulsionava as pessoas a comprarem compulsivamente, a tentativa de atingir uma forma na qual não se encaixava, gerando frustração e dores; agora, uma vez que as pessoas tem, literalmente, as mídias em suas mãos, o que as encoraja a consumir é justamente o oposto: a identificação. As pessoas já não compram mais por ideação de se adaptarem ao padrão vendido – porque perceberam que é sacrificial, adoecedor e custoso – mas porque sentem e entendem que aquele produto ou serviço é para elas. Estamos na era da personalização. Quais pessoas podem se identificar com a sua marca?

Ainda lembro de um dia comum vivido por mim… comum até eu ser surpreendido por duas garotinhas de mais ou menos cinco anos de idade. Elas retornavam da escola e, acompanhadas de suas responsáveis, entraram na loja de cosméticos na qual eu estava. Roubaram a minha atenção com a euforia e empolgação com as quais adentraram o estabelecimento e, mais ainda, com a excitação diante da infinidade de produtos expostos na prateleira. Foi quando as duas meninas começaram ali uma brincadeira que transformou aquela cena boba em um insight que mexeu profundamente comigo – vou chamar a tal brincadeira de “quem sou eu?”: elas apontavam para as embalagens e comunicações visuais dos produtos dispostos na loja e buscavam identificação… uma dizia “eu sou aquela” e a outra dizia “e eu sou aquela ali”. Automaticamente a minha memória foi catapultada para flashs da minha infância, nos quais “eu era” o Ranger Azul dos Power Rangers, o Mosca de Chiquititas, o Kel de Kenan&Kel, o Mogli (o menino lobo). Mais doloroso foi lembrar que eram poucos os personagens com os quais eu conseguia me identificar, porque a esmagadora maioria deles não se parecia comigo. E o mais revelador: eu pensava – e repenso agora – em quantas vezes eu fio – e ainda sou – aquela criança buscando representação… representatividade. Quantos de nós não buscaram e ainda buscam por nossas próprias imagens legitimadas como “possíveis”, enquanto brincam de “quem sou eu?” por aí…

Quais dores o seu negócio deveria tirar do mundo? Quais dores o seu negócio pode tirar do mundo? As respostas subjetivas podem ser mais importantes do que as declaradas. Um exemplo: quando uma marca apresenta uma pessoa preta como símbolo de “diversidade” em uma campanha no Novembro Negro, isto não é representatividade, é apenas uma representação, mas mais do que isso, é uma confissão… ao afirmar que “o diferente” é preto, a marca afirma a sua própria voz e identidade: branco (é lógico, ao descrever “o diferente”, automaticamente autodescreve-se). Somente mostrar – e usar – a diferença não torna a marca diversa, apenas oportunista. O trabalho sobre diversidade implica na sensibilidade e compromisso de normalizar as diferenças, tornando-as parte da estrutura, não apenas em datas específicas e oportunas, mas garantindo que sejam parte essencial de toda e qualquer perspectiva e ação.

Diferença não é sinônimo de diversidade, bem como não se pode dizer que em um lugar onde existem diferenças necessariamente é diverso. As diferenças estão por aí, mas só há diversidade quando se garante que essas diferenças existam, transitem e convivam de forma equânime, segura e respeitosa. Para que as dores antigas e comuns, que atravessam a todas as pessoas, sejam retiradas, vencidas. Para que cada vez mais pessoas sintam orgulho de serem quem são, principalmente aquelas a quem esse direito foi negado por tanto tempo de tantas formas… é preciso resgatar o orgulho. Diversidade não é onde as diferenças estão, mas onde as diferenças são celebradas.

Em tempo, uma última provocação/proposição: quais orgulhos o seu negócio entrega e restitui ao mundo?

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O conteúdo e opinião publicados neste artigo são de inteira responsabilidade do autor ou autora.

Alan di Assis

Alan di Assis

Colunista Convidado

Comunicólogo/jornalista, MBA em Marketing Estratégico, gestor de comunidade, produtor e consultor em Diversidade

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