Pau de Sebo. Fotografe enquanto ainda existe

jun/2017

O pau de sebo que a duras penas ainda sobrevive como tradição nos arraiais e municípios do interior é um elemento estranho nas festas de São João. Não sei dizer em que momento se materializou como um componente do forró, da fogueira, das comidas típicas e dos balões e bandeirolas de papel, ou, de plástico, se a gente bobear um dia tudo isso, salvo os acepipes, será substituído por projeções em 3D.

Elemento estranho à festa, quase um invasor, ainda bem que o pau de sebo persiste, sem a mesma empolgação do original até porque não é mais de sebo, é de graxa. Mas, deixa eu explicar o porquê está, ou parece estar, fora do contexto: O pau de sebo foi um legado ibérico que aqui se materializou exclusivamente nas chamadas festas populares e o São João não era, naquele tempo, festa popular.

A brincadeira, no século XIX, fazia parte dos divertimentos do veraneio nos arrabaldes de Itapagipe e Rio Vermelho e na sua vizinhança, Barra, Amaralina e Pituba. Os organizadores dos festejos plantavam-no nas festas de Nossa Senhora de Santana, Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora dos Mares, Santo Antônio da Barra, Senhor do Bonfim, São Gonçalo, Nossa Senhora da Guia e há registros também de pau de sebo nas festas de Nossa Senhora da Conceição em Itapoan e na tradicional, de 08 de dezembro, da cidade baixa.

Nenhuma referência, ou, evidência do pau de sebo nas festas juninas, pelo menos até a quarta década do século XX. Como migrou então das festas populares para uma festa de cunho familiar? Uma das hipóteses é o fato do São João ter-se transformado também numa festa popular, realizada num largo de Igreja, ou praça, reunindo centenas, ou, milhares de pessoas do município, ou, cidade. Explica a migração, mas não a sua extinção nos demais festejos. Deixa isso para lá, não vou esquentar a cabeça.

Mas como ia dizendo, ainda bem que o pau de sebo sobrevive. Já eliminaram das festas juninas os balões que cobriam os céus; tiraram as fogueiras de verdade, acabaram com as brincadeiras de sorte; introduziram órgão, bateria e metais nas bandas; trocaram o forró pé de serra pelo axê-forró e outras tradições que não cabe aqui lembrar. Até o pagodino, pagode junino, já rola por aí.

De modo que se você encontrar um pau de sebo fotografe, pode ser o último. Aproveite e não esqueça de degustar uma maça de amor caramelizada; roer uma espiga de milho, ainda que não assada na fogueira; chupar meia laranja; beber um licor de jenipapo e se assombrar com a mulher macaco na jaula, ou, estrebuchar de susto no castelo dos horrores…. Grite, ria, corra. Tudo isso pode desaparecer amanhã. Bora aproveitar.

Nelson Cadena

Nelson Cadena

Colunista

Escritor, jornalista e publicitário.

Mais artigos

A criatividade consiste no olhar curioso ao Cotidiano

A criatividade é um elemento essencial no arsenal de qualquer comunicador, especialmente no mundo da publicidade. A todo momento, somos instruídos a exercitar esse aspecto, cultivando uma rica bagagem cultural através de visitas a museus, exposições e outras...

ler mais

A potência oculta dos ritos de passagem

Vocês já repararam quantos ritos celebramos nos meses do verão? A temporada começa antes do Natal. Sagrados ou profanos, eles estão presentes nas tradicionais confraternizações que demarcam o fim do ano laboral, com os lúdicos “amigos-secretos”, típicos ritos “de...

ler mais

O furar bolhas necessário se cada dia

Você ainda acredita que furar bolhas é mimimi? Acorde, viu! Furar bolhas é fundamental para se tornar um profissional completo e capaz de agregar valor em sua área de atuação. Ao se manter restrito em um determinado ambiente, sem buscar experiências e conhecimentos...

ler mais

Porque Lutamos todos os dias

O 8 de março existe porque a luta não acabou e é diária. Existe por todas as mulheres que foram silenciadas. Porque ainda somos desacreditadas quando sofremos violência doméstica, sexual, financeira e psicológica. Porque ainda sofremos com a hipersexualização que...

ler mais

Minhas primeiras 24h no SXSW

Esse é um sonho que está sendo realizado, minha primeira vez no SXSW! E, pelas primeiras 24h já garanto, todos deveriam vir uma vez na vida. Porém, não basta comprar passagem, ingresso e hotel. É preciso se preparar, estar com a leitura em dia e de coração aberto para...

ler mais

junte-se ao mercado