A bunda de Papai Noel
Passei a semana olhando a bunda de Papai Noel. Todo mundo olha a barba e a barriga, repara no gorro e na cadeira onde está sentado, olha de soslaio para a decoração em volta, mas ninguém repara na bunda. Para corrigir esse imperdoável desleixo é que fui de shopping em shopping aguardando o velho levantar para ver seus glúteos e confirmar a minha teoria que se Papai Noel é bundão no imaginário que herdamos da indústria cultural americana, no Brasil e em especial na Bahia, Papai Noel é um desbundado. Não tem bunda. Simula a barriga com almofadas e tenta encher a bunda com outros subterfúgios, mas nada tão ostensivo quanto a bunda indecente do Papai Noel da Coca Cola.
Você leitor sabe como o Papai Noel de nosso imaginário se tornou um bundão? Escrevi certa feita, já faz um bom tempo, ao respeito. Reproduzo aqui alguns trechos: “É bochechudo, pançudo e bundão, e não temos culpa disso. Recebemos ele pronto: design americano, que começou como uma representação do bispo Nicolau, com traços de caricatura, no século XIX, popularizado em revistas, para mais tarde ganhar feições mais suaves e definidas e, nesse contexto, um biótipo redondo”.
“Um perfil estético que jamais seria brasileiro. Se a representação do Papai Noel fosse arte nossa – imaginem vocês o bom velhinho no lápis de Agostini, Julião Machado, K-Listo, J. Carlos, ou mesmo Ziraldo__ certamente que teria menos bochechas e, com certeza, menos barriga e menos glúteos… Foi Thomas Nast, americano de sangue batavo, quem vulgarizou a figura através de suas caricaturas no Harper’s Weekley, a partir de 1.862. O traço de Nast mostra um personagem sisudo, meio gnomo, quase um duende”.
“A indústria do cigarro foi o primeiro segmento publicitário a divulgar no Brasil a figura de Papai Noel, que aparecia sempre fumando. Tinha sentido a ilação já que Nast, na sua representação do Bispo Nicolau, preservara-lhe o cachimbo original, conforme descrito por Washington Irving em 1808 e mais tarde, em 1822, por Clement Clark Morre no seu poema: The Nigth Before Christmas… Mas o Papai Noel que a Souza Cruz nos apresentou na capa de seu house-organ, edição de dezembro de 1916, era tipicamente americano, de traços suaves, muito semelhante ao desenhado por Haddon Sudblon, a pedido da Coca-Cola em 1931”.
“Justiça seja feita a Sudblon, não foi ele o primeiro a engordar e arredondar o Papai Noel. O ilustrador J. C. Leyendecker já exagerava nas proporções. Desde a década de 20 apresentava Santa Claus de fato obeso, barriga proeminente e bunda farta para equilibrar do outro lado. Norman Rockwell manteve o protótipo até inícios da década de 30 quando Sudblon desenvolveu o modelo que a Coca-Cola, com a sua cobertura e frequência de mídia, popularizaria mundo afora. O resto a indústria cultural americana encarregou-se de distribuir e difundir em todo o planeta. Tornando para sempre, e enquanto o mundo existir, Papai Noel bochechudo, pançudo e bundão”.
O Papai Noel sem bunda__ na publicidade, ou na ação promocional do shopping__ o baiano até que perdoa, mas não perdoa o Papai Noel com pouca barba ou menos obeso do que deve ser e não perdoa o Papai Noel sem o ridículo Ho Ho Ho, quanto mais ridículo melhor. Para falar verdade começo a duvidar de minhas convicções. Não tenho certeza se o Papai Noel é bundão, ou, bundão sou eu, somos nós.
![Nelson Cadena](https://abmp.com.br/wp-content/uploads/2018/08/nelson_cadena-copy.png)
Nelson Cadena
Colunista
Escritor, jornalista e publicitário.
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