A era da lavagem cerebral
A lavagem cerebral acontece em diferentes universos: religiosos, militares, militância política e, sobretudo, entre indivíduos picaretas e espertalhões. A lavagem parte do princípio binário do maniqueísmo, reduz a complexidade da vida em dois extremos: luz ou treva, pobre e rico, reacionário e revolucionário, ateu e religioso, mortadela e coxinha, Veja e Carta Capital, e, como gostam os pastores neopentecostais brasileiros, craques nesta técnica, Jesus ou Satanás. O maniqueísmo é secular, para ele, ao contrário do que reza a máxima da Geometria, não existem infinitos pontos entre dois pontos. Não pode haver nuances.
Lavar a razão, o raciocínio, debilitar a racionalidade para promover sedução e submissão é seu escopo, seu alvo, aplacar a desconfiança e a dúvida, o senso crítico, a resistência. Tornar o outro uma ovelha integrante de um rebanho de pastor, guru, líder político ou sindical. O lucro da lavagem cerebral será o controle e facilidade da manipulação. A finalidade da lavagem é o poder.
Especialistas sustentam que quanto mais redes cognitivas o cérebro de uma pessoa acionar – mais associações, ideias, opiniões, informações, experiências – menos manipulável ela se torna. Criatividade, autoconhecimento, perguntas, dúvidas sobre o que é escutado e lido, desejo de aprender coisas novas, relacionar temas, tudo isso blinda o cérebro em relação às manipulações.
O termo “lavagem cerebral” surgiu durante a Guerra da Coreia (1950-53) e servia para explicar a reviravolta mental e comportamental de leais marines da US Navy que, após um período de intenso sofrimento sob captura dos inimigos, reapareciam convertidos aos ideais comunistas. Estes militares, após semanas de tortura, estresse, ameaça e jejum, eram levados a um banho quente, uma refeição prazerosa, enquanto eram submetidos a um bombardeiro de elogios às maravilhas do comunismo. Com a repetição do método, assim como aconteceu ao cachorro do experimento de Pavlov, inconscientemente, eles passaram a associar comunismo ao bem-estar. Foram “reprogramados”.
Produzir o esgotamento progressivo sob tortura, privação de sono e comida, exigindo abertura às novas ideias, é um dos métodos, mas há outro, mais comum, que é a imersão contínua da vítima a um caldo de discursos repetidos, numa espécie de “intensivão” de conteúdos como o que acontece por agora na mídia do Brasil, com o lado A estereotipando negativamente o lado B, e sendo por este rotulado. Está instalada a cultura fla-flu.
A Psicologia vem se debruçando há décadas sobre o fenômeno das emoções. Muito artigos demonstram que o núcleo duro das emoções são as crenças. Crenças, ainda que equivocadas, contém cognições e ideias. E se eu produzir uma emoção quando acionar uma ideia? A crença vai produzir uma reação menos racional, e mais emocional. “Quando algo provoca uma reação emocional, o cérebro se mobiliza para lidar com ela, destinando poucos recursos a reflexões”, explica a neurologista Kathleen Taylor, da Universidade de Oxford, em seu livro Brainwashing – The Science of Thought Control. A ideia é “engatada” à sensação: sempre que aquele assunto vier à tona, a sensação vem a reboque, num processo conhecido na psicologia como reflexo condicionado. Dá para compreender porque os confrontos se nutrem mais de emoções hostis, mais do que de argumentos inteligentes.
Tomando um conceito histórico como o de “fundamentalismo”, podemos identificar que ele brotou num mundo cristão nos EUA do século 19, numa das dezenas de congregações protestantes que se fez destacar entre as outras por repetir, ad infinitum, que era a única que preservava o fundamento genuíno do Evangelho. Este termo se espalhou por toda parte para descrever o mesmo “modus operandi”: só há um fundamento e este é a nossa forma de ler e explicar. Tudo.
Aliás, se só há este fundamento, fica decretado que não há espaço para a outra interpretação. Talibãs e facínoras do Estado Islâmico fazem assim com a letra do Alcorão: eliminam a hermenêutica. O fundamentalista de qualquer seara vê o valor no pé da letra. O pé da letra é aonde jaz o significado da palavra, a interpretação exige o salto, a transcendência. Fundamentalistas judeus, cristãos, muçulmanos e militantes políticos não permitem transcendência da letra nem sua interpretação. Então, homens-bomba.
Há dezenas de filmes e reportagens registrando os bastidores e a imoralidade de pastores neopentecostais, demonstrando como enganam os tontos e seduzem as ovelhas. Eles vão além das táticas de lavagem das mentes e também dão dicas de como lavar dinheiro. Helicópteros recheados de dinheiro de coletas, templos salomônicos, vida de milionários, mansões, luxo, carrões e cargos públicos. Nada, nada de nada chama a atenção dos fiéis. Nada altera sua admiração! Continuam submissos, louvando seus gurus. Eis os “cordeiros de Deus”, já bradava Nietzsche, no século 19.
Patinhas e Mônica, ex-marqueteiros sem caráter do PT, fizeram nesta semana sua delação premiada. O Poder Judiciário conseguiu reaver 22 milhões de dólares. Aos olhos da militância tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. Golpe, armação e complô midiático. O retorno desta e de outras fortunas arrancadas do patrimõnio nacional pelo esquema político criminoso parece ter sido dinheiro de mentirinha, tipo Banco Imobiliário.
Para o crente fanático, o pastor, ou guru ou seu líder carismático é mais que homem. É mito, possui aura, halo e transcendência. Podem aparecer recebendo dinheiro desviado de empreiteira ou cartel de grupos de educação ou saúde privadas. A fé removerá montanhas de evidências.

Carlos Linhares
Colunista
Psicólogo e antropólogo, mestre e doutor pela UFBA. Atua na UNEB e UNIFACS. Consultor em Organizações, coach, instrutor e palestrante. Sócio diretor da Strata Consulting.
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