A hora e a vez da favela
O fato de ser um filho da periferia de São Paulo despertou em mim desde cedo alguns questionamentos sobre o bairro em que morava, principalmente sobre a falta de acesso a itens essenciais para o desenvolvimento humano como saúde, boas condições de moradia, transporte e cultura, para citar o mínimo.
Esses “vazios” territoriais me ajudaram a ser o profissional que sou hoje, dedicado ao estudo do comportamento de consumo dos brasileiros, mas não apenas isso, um profundo estudioso desse país chamado “Brasis”. Ao longo da minha jornada dentro da comunicação, do marketing e da área de pesquisa, ouvindo pessoas de diferentes regiões, classes sociais, idades, escolaridades e com diferentes objetivos e interesses, entendi o meu papel como profissional, acadêmico e, principalmente, ser humano.
Acredito e confio no poder da informação como ferramenta de conhecimento, troca, compreensão de si, do outro e do mundo que habitamos. Me interessa o humano, falar de gente, ouvir, entender e aprender com os desafios e a criatividade das pessoas. E como ouvimos pelos quatro cantos do planeta, um dos povos mais criativos do mundo é o brasileiro. Ao marcar presença na primeira edição da Expo Favela pude confirmar isso.
Mais do que um evento que trouxe painéis, palestras e rodas de discussão com personalidades, empreendedores e influenciadores como Adriana Barbosa (Feira Preta), Luiza Helena Trajano, Alok, Emicida, Thelma Assis, Luciano Huck, Neca Setúbal, foi uma oportunidade de saber um pouco mais sobre esse mundo chamado favela, que se fosse um Estado seria o quarto maior do Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
De acordo com a pesquisa Um País Chamado Favela, apresentada pelo Data Favela, o Brasil possui 13.151 aglomerados subnormais (nomenclatura usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE para se referir a essas ocupações espalhadas por todo o país).
São cinco milhões de domicílios em favelas, ocupados por 17,1 milhões de pessoas e uma estimativa de que seus moradores movimentam R$ 180,9 bilhões em renda própria por ano.
Pessoas pretas, em sua maioria (67%), sendo mulheres (8,7 milhões) e com 21% dos lares formados por mães solos.
Um público ainda visto por muitos como pobres, marginalizados, à margem da sociedade, sem futuro. Quem ainda mantém o olhar nessa trilha, sinto em dizer que está perdendo grandes oportunidades – a depender do seu negócio/produto (do seu público-alvo).
E foi exatamente esse o grande debate da Expo Favela: o potencial desses lugares para o desenvolvimento de cidadão, de consumo e de empreendedorismo.
Nos últimos tempos acompanhamos o crescimento de marcas e empresas apostando pesado em comunicações que mostram o quanto estão fazendo negócios de forma mais ética, responsável, íntegra, com respeito ao outro, olhar mais atento à diversidade e cuidado com o meio ambiente.
Diversidade, inclusão e representatividade viraram mantras.
Mas será que isso corresponde com a verdade? Será que não temos aí mais estratégia de marketing do que ações realmente efetivas. Parece que o pessoal que vive nas favelas não se sente conectado e nem representado pelas marcas.
A pesquisa apontou que os moradores de favelas não enxergam seus valores na maioria das empresas, sendo que atributos como confiável, honesto, feliz, preocupado com os outros, trabalhador, otimista, emotivo, preocupado com a sustentabilidade e moderno não são percebidos por eles nas marcas que consomem.
O que tudo isso significa? Que profissionais de mídia talvez ainda não acreditem na real capacidade dos negros de venderem. Mesmo o mercado periférico movimentando bilhões, as agências têm dificuldade de enxergar o potencial desse público, que ainda é classificado como “invisível”.
Pode ser um discurso repetitivo esse, mas se sua empresa não pratica, da porta para dentro, a diversidade, a inclusão e a representatividade, não tem como apostar nessa narrativa da porta para fora. Sinto dizer que se isso ocorre, sua equipe/agência de marketing/comunicação está errando feio, errando grande.
Que tal começar, de verdade, a criar narrativas reais para sua empresa ou marca que permitam que pessoas pretas, pobres, marginalizadas, à margem da sociedade, mas com grande potencial de cidadania, consumo e empreendedorismo possam acreditar que suas histórias são dignas, válidas, respeitadas e merecedoras de serem contadas?
Se você tem interesse em dialogar com esse público gigantesco e que representa um mundo de oportunidades, chegou a hora de, talvez, rever alguns conceitos, crenças e teorias.
Vamos juntos?
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Diego Oliveira
Colunista
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