A nova rotina das mulheres acende um alerta amarelo

set/2021

Estamos no Setembro Amarelo. Tempo em que a sociedade brasileira se articula para promover e se engajar em uma série de ações que visam prevenir o suicídio em todo o país. O tema que é urgente e está intimamente relacionado a questões que envolvem a saúde mental, precisa ser debatido em múltiplos espaços, sob os mais diferentes vieses. Este foi o motivo que me encorajou a aproximar o assunto do meu lugar de fala para tratar de uma questão séria que há anos vem afligindo as mulheres e se complexificou ainda mais durante a pandemia: a jornada contínua de trabalho. Sim, você leu certo. Não se trata mais de dupla jornada e nem de tripla jornada e sim de jornada continua de trabalho.

De forma geral, a maior parte dos grupos sociais reconhece a sobrecarga laboral enfrentada por mulheres que precisam atuar no mercado e ainda desempenhar ações que envolvem o cuidado com crianças, idosos, doentes e com a rotina familiar. Um trabalho exaustivo que não é percebido e nem valorizado por uma sociedade que se estruturou nas bases machistas e patriarcais. Estudos indicam que essas atividades invisíveis geram uma sobrecarga que pode variar entre 7h a 10h semanais se comparadas a jornada exercida por homens. Como consequência deste estresse ocupacional, as mulheres recebem salários menores, sofrem pressão por ter que comprovar frequentemente a sua capacidade e têm tido, ao longo da história, muito menos oportunidades de alcançarem cargos de liderança mesmo sendo parte da população que mais investe em educação e que também costuma ter o melhor desempenho. A problemática supera questões de ordem prática e invade o campo subjetivo exercendo forte carga mental, um sentimento de frustração e incapacidade, fadiga, baixa autoestima que, invariavelmente, se desdobram em doenças mentais nos mais diversos níveis. 

O que já estava ruim ficou ainda pior durante a pandemia do coronavírus devido ao surgimento de dois novos fatores: a impossibilidade das crianças irem a escola (uma grande proporção ainda não retornou) e a redução da rede de apoio. Tarefas que outrora eram compartilhadas e executadas por outras pessoas passou a gerar mais responsabilidades, necessidade de adequação, sobrecarga e estresse. Durante esse tempo de isolamento quantas mulheres você ouviu relatar que passou ou passaria o final de semana fazendo faxina, organizando a casa ou as coisas que não puderam ser feitas ao longo da semana? Cientistas indicam por isso a existência de um fenômeno que vem sendo chamado de jornada continua de trabalho. Mulheres que só param de trabalhar enquanto dormem. Isso vem acontecendo no mundo inteiro e ganha contornos ainda mais dramáticos quando envolve o cotidiano de mulheres negras e de grupos vulnerabilizados e violência doméstica. Essa é uma discussão urgente que não pode ser rotulada como mimimi, pauta de apenas um grupo social ou de partidos políticos. Não pode haver espaço na sociedade para que a jornada contínua de trabalho seja considerada o novo normal.  Um mundo melhor como a que sonhamos precisa ter forças integradas atuando em equilíbrio.  Só assim poderemos ter um setembro florido e tempos mais coloridos para todos.

 

Artigo originalmente publicado no Bahia Notícias em 09 de Setembro de 2020

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Alessandra Calheira

Alessandra Calheira

Colunista

Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas, na linha de Cibercultura, pela UFBA; Especialista em Marketing pela ESPM e Publicitária pela UCSal. É sócia fundadora da Proxima e consultora para Gestão Educacional e Empregabilidade da Rede FTC. É ainda professora da Pós-Graduação da UNIFACS e colunista do Bahia Notícias.

Atuou como criativa e redatora publicitária quando foi laureada com um Leão no Festival Internacional de Cannes, com uma medalha no Clube de Criação de São Paulo, Top de Marketing da ADVB, entre outros.

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