Abaeté para os soteropolitanos

fev/2018

Quando eu cheguei em Salvador no distante ano de 1973 Abaeté ainda era a “lagoa escura, arrodeada de areia branca” como cantou Caymmi, um belo cenário nas noites de lua cheia, esta, refletida, nas águas sagradas; nas noites de verão os terreiros prestavam sua homenagem a Ogum com flores e presentes, ao som dos atabaques. Abaeté era um paraíso que acolhia hippies de vários lugares do mundo. Nas areias brancas, embaixo de uma frondosa amendoeira, podia se pernoitar sem risco algum, a não ser o da vontade de ficar ali para sempre. Conhecer e fotografar a lagoa escura era mais do que um desejo de quem visitava nossa cidade.

Em algum momento de nossa atribulada história o poder público permitiu que o espaço fosse ocupado, primeiro, pelos predadores que furtavam areia à noite e também à luz do dia, na certeza da impunidade. O poder público deixou os traficantes de drogas tomarem conta do local e mais tarde se omitiu quando os ladrões passaram a assaltar visitantes e também os permissionários dos pontos de venda que, sem garantias, fecharam as portas. O poder público esvaziou Abaeté por omissão e sacanagem e os órgãos de turismo, de lá para cá, não mexeram uma palha para reverter esse quadro.

Hoje Abaeté é um cenário inviável para visitação e recreação. E o que me espanta é o conformismo com esse estado de coisas, os braços cruzados do poder público que não se empenha em encontrar soluções e estas são muito simples e de baixo custo em relação a outras intervenções realizadas na cidade. Devolver a magia da Lagoa de Abaeté é apenas revitalizar o espaço, incluí-lo nos roteiros turísticos das operadoras, torna-lo acessível aos soteropolitanos e oferecer a garantia de um policiamento 24 horas. Nada tão complicado assim, se houver vontade de realizar.

A mídia tem um papel importante nessa proposta de viabilizar o destino. Faria a sua parte através de reportagens, campanhas publicitárias e outras ações. A mídia também cruzou os braços, se omitiu, conformou-se com a ideia de que Abaeté não faz parte da cidade, de que seria apenas um canto idílico de um poeta sonhador e nada mais do que isso. Passou da hora de reverter esse cenário.

Devolvam a lagoa de Abaeté aos soteropolitanos. Ainda arrodeada da areia branca que resta.

Nelson Cadena

Nelson Cadena

Colunista

Escritor, jornalista e publicitário.
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