As senhoras protetoras do mês de fevereiro
Os fãs de antigos calendários romanos e de suas estranhas métricas para a contagem dos anos, meses e dias da semana sabem que o mês de fevereiro era o último mês do ano. Seus dias eram consagrados à proteção da mãe de Marte, a deusa Fébrua, divindade do amor, da fecundidade e das febres das paixões. Fevereiro vem de Fébrua e de suas festas erotizadas, as februálias, típicas da Roma antiga, onde aconteciam as celebrações e os rituais de iniciação dos jovens no sexo, a purificação dos corpos para gerar filhos, com direito a ousadas performances. Mas tudo com muita devoção.
Para os romanos, todos os outros meses até agosto deveriam contar com alguma proteção divina. Por isso, março é consagrado à Marte, abril e maio fazem reverência às deusas Aprilis (uma face de Vênus) e Maia e o deus Juno protegia junho. Os dois meses seguintes, anteriormente Quintília e Sextília, por serem quinto e sexto meses, foram consagrados à proteção de dois imperadores-deuses e receberam seus nomes: Julio Cesar, julho, e seu sobrinho Otávio Augusto, agosto, respectivamente.
Exceto na língua portuguesa, os dias da semana foram dedicados a outros deuses ou astros como o Sol (sun day), a Lua (lunes), a Marte (Martes, de Martis dies), a Mercúrio (Miércoles, de Mercurii dies), Júpiter (Jueves, de Iovie), como se vê na língua castelhana, originária do latim. Em Portugal, os dias da semana foram cristianizados e de 2ª a 6ª utiliza-se a feria do latim que virou feira.
Fevereiro, portanto, deixou de ser o último mês do ano e virou o segundo com a reforma do calendário romano feita por Júlio Cesar, em 1 de janeiro do ano 45 a.C. Do sétimo mês ao décimo não foram dados nomes de deuses, mas apenas números: o sétimo mês, setembro, o oitavo, outubro, o nono e o décimo, novembro e dezembro. Em seguida, vinha o penúltimo mês, janeiro, consagrado a Iannus, ou Jano, um deus fascinante “em cujo poder estão todos os inícios”, o “bendito protetor das mudanças e transições” com dois rostos na mesma cabeça que lhe dão o poder de enxergar atrás e na frente, memória e profecia. Fica claro porque o mês dez, de dezembro, por exemplo, se tornou o 12º hoje em dia. Tudo por conta da mudança de posição do mês de Ianus e da Dea Fébrua de últimos para os dois primeiros.
Curiosamente, no Brasil, parece que o mês de fevereiro continua sendo o último do ano. Afinal, entre nós o ano só começa mesmo depois do Carnaval! É curioso também que no mês da deusa Fébrua nossa cultura religiosa homenageia duas figuras míticas femininas, que se destacam no nosso calendário cultural de festas religiosas.
Ambas são celebradas no dia 2 de fevereiro: uma delas integra a piedade mariana católica, é o dia litúrgico da Apresentação de Maria, traduzido na religiosidade popular como Nossa Senhora da Purificação ou Nossa Senhora da Luz ou das Candeias. Esta festa tem registro no Brasil desde o século 17 e certamente suas procissões serviram de inspiração – e álibi – para os homens e mulheres trazidos de África à força, desejosos de expressar por aqui sua fé ancestral. Projetaram em Nossa Senhora sua Iemanjá, a orixá sereia e rainha do mar, com oferendas, cânticos e rituais.
Assim, no mês da deusa romana Fébrua, entre nós se comemora, seja em terra como no mar, as festas destas Sagradas Senhoras cujo segredo carecemos haver: uma convivência serena e sincrética que se traduz em respeito e no dom da boa vizinhança.
Ave, Dea Fébrua! Salve Maria! Odoyá!
Carlos Linhares
Colunista
Psicólogo e antropólogo, mestre e doutor pela UFBA. Atua na UNEB e UNIFACS. Consultor em Organizações, coach, instrutor e palestrante. Sócio diretor da Strata Consulting.
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