Brasil acelerado, Portugal paciente (?): Duas formas de viver o digital
Mudar de país é também mudar de perspectiva. Quando cheguei a Portugal, descobri que aquilo que parecia óbvio para mim, vindo do mercado brasileiro de comunicação, não era tão evidente por aqui. O digital, que no Brasil é quase um requisito de sobrevivência para qualquer negócio, em Portugal ainda caminha em outro ritmo, com escolhas de plataformas que revelam muito sobre a cultura, a confiança e os hábitos de consumo do público local.
Essa diferença não é apenas tecnológica, mas cultural. No Brasil, a urgência e a necessidade de visibilidade transformaram o digital em terreno indispensável para a competitividade. O imediatismo, a busca por novidade e a valorização do “tempo real” empurraram empresas e consumidores para plataformas mais ágeis, como o Instagram. Em Portugal, percebo uma relação mais cuidadosa, quase contemplativa: há uma preferência por soluções já estabelecidas, como o Facebook, que transmite a ideia de segurança e familiaridade, mesmo que isso signifique caminhar em um compasso mais lento.
Quando decidi vir para cá, trouxe comigo uma lista de metas pessoais e profissionais. Entre elas, estava a vontade de continuar atuando na comunicação, mas agora em um contexto cultural distinto. Sabia que não seria simples: o mesmo repertório que funcionava no Brasil não poderia ser aplicado sem tradução cultural. Foi justamente essa tradução, entre práticas aprendidas e realidades locais, que passou a guiar meu percurso.
O primeiro ano foi menos sobre aplicar técnicas e mais sobre observar. Ouvir, entender, sentir como o digital se encaixa no cotidiano das pessoas. Foi nesse processo que percebi que a comunicação digital em Portugal, ao menos no recorte em que me encontro, ainda não alcança a centralidade que possui no Brasil. Isso se reflete não apenas no investimento, mas também na forma como marcas e consumidores se relacionam com as plataformas.
Os números reforçam essa diferença. No Brasil, o Instagram já ultrapassou o Facebook em alcance e relevância: são cerca de 134,6 milhões de brasileiros ativos no Instagram contra 111,3 milhões no Facebook (RD Station, 2024). A ordem de importância é clara: Instagram em primeiro, Facebook em segundo. Já em Portugal, a lógica se inverte. Segundo a Vasco Marques Academy, o Facebook reúne 5,95 milhões de utilizadores, enquanto o Instagram soma 5,80 milhões. Uma diferença pequena em números absolutos, mas significativa no que revela: o apego a plataformas mais antigas reflete um comportamento mais cauteloso e menos orientado pela lógica do “novo a qualquer custo”.
Esses contrastes levantam reflexões importantes para quem trabalha com comunicação: até que ponto a velocidade é sinônimo de eficiência? Será que um mercado mais paciente não garante, no longo prazo, vínculos mais sólidos? Por outro lado, será que a ausência de dinamismo não pode significar perda de oportunidades?
Foi nesse cenário que tive a oportunidade de assumir a gestão digital de um hotel de grande importância no Norte de Portugal. Chegar até aqui exigiu mais do que fechar um contrato: foi o resultado de meses de preparação, de negociações e de estudo, mas também de adaptação cultural. Não se tratou apenas de replicar fórmulas bem-sucedidas do Brasil, mas de ajustar o olhar, respeitar o tempo local e aprender a equilibrar consistência com inovação.
Hoje, a presença digital do hotel ainda está em construção. O processo é contínuo, e talvez nunca termine. Mas é justamente essa natureza inacabada que torna a experiência valiosa. O que trago comigo não é apenas a bagagem profissional acumulada no Brasil, mas a capacidade de enxergar como a cultura molda a comunicação e, consequentemente, o mercado.
Essa vivência me ensinou que a comunicação digital nunca é apenas sobre métricas ou plataformas. É, acima de tudo, sobre pessoas. E pessoas não se conectam apenas por algoritmos, mas por valores, por hábitos e por identidades coletivas. Entender como cada sociedade valoriza e consome esse espaço é o que transforma uma estratégia comum em uma estratégia com impacto real.
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Emanuel Bizerra
Colunista
Comunicólogo e ecologista, especialista em consumo, marcas e comunicação. Observador da vida cotidiana e amante da natureza, escrevo quando pede o coração.
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