De mãos dadas (mesmo)?

abr/2023

O mercado publicitário continua negligenciando a criatividade local. Perdem as marcas, os consumidores, as cidades e o setor.

Não faz muito tempo que o brasileiro passou a usar a frase “ninguém solta a mão de ninguém”. Na pandemia, foi bastante comum. Hoje, vou pedir licença à tatuadora mineira, Thereza Nardelli, quem criou uma imagem com a tal citação estampada em camisetas, canecas, lambe-lambes e muitas campanhas de conscientização, para uma provocação. Estamos mesmo segurando a mão de quem está com a gente? Quando pensamos em mídia e publicidade local, estamos prestigiando os nossos? Temos valorizado as novas gerações de profissionais do setor nascidos e formados em nossa cidade, região?

Ouso dizer que o cenário – bastante conhecido por todos – não mudou muito. Sabemos que o mercado publicitário ainda não conseguiu se emancipar totalmente do Sudeste, com ênfase em São Paulo e Rio. Contudo, com a digitalização ampliada na pandemia, muitas empresas de publicidade passaram a contar com profissionais de outras regiões. Aplauso geral: para as agências, os anunciantes, os profissionais e os consumidores, que ganharam outros pontos de vista. Só que a inclusão de uns poucos publicitários, profissionais de mídia local, nesse contexto, é insuficiente.

As marcas precisam entender, falar e alcançar as pessoas em níveis locais. Cada lugar tem sua gramática própria. É imperativo entender todo o caldeirão que compõe um território: seus sotaques, costumes, tradições, identidades, gírias, comportamentos, desejos, aspirações. Vou além: abrir mão de parceiros locais na publicidade é perder as nuances do mercado. Afinal, quem respira a cidade o ano todo, acaba catalogando esse conjunto todo com muito mais precisão e trânsito.

A primeira capital do país, por exemplo, já é considerada por alguns especialistas como a capital cultural do Brasil, enquanto o Rio, a turística, São Paulo, a financeira e Brasília, a política. Por que isso? Salvador é um hub fértil de música, moda, comportamento, startups e da economia criativa. Mas, se transportarmos isso para a arena publicitária, San Salvador da Bahia de Todos os Santos ainda não explora toda a sua potencialidade. Tem tudo para ser também uma referência em mídia e publicidade, com lucratividade e sua criatividade banhada no dendê.

Por outro lado, não encabeço uma cruzada contra as alianças feitas com agências e nomes extramuros. De forma alguma! Capturar o que há de melhor dos nossos territórios – combinando o poder único do nosso olhar local e a expertise mais abrangente de alguns parceiros – dá samba, ou axé, caso queiram.

Novas parcerias precisam e devem ser firmadas, mas sempre considerando o desenvolvimento local. Alianças inteligentes para conectar expertises, criar complementaridades, em busca das melhores estratégias e resultados.  

Fica o convite para uma reflexão: como a confiança é um dos principais atributos para uma relação bem-sucedida, que tal darmos as mãos às agências e profissionais locais? Acreditar, crer, ter fé na potência dos nossos. É hora de dar as boas-vindas a quem sempre teve foco na realidade local!

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Diego Oliveira

Diego Oliveira

Colunista

CEO da Youpper Insights, professor universitário da ESPM, mestre em comunicação pela Cásper Líbero, publicitário e, principalmente, provocador de mudanças e aceleração social.

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