É PRECISO MAIS QUE AMOR

jun/2024

Mês de junho chegando e, além dos festejos juninos, tem também o 12 de junho, que é a data em que se celebra o amor, entre os namorados, no Brasil.

Eu atuo na clínica com casais há quase 20 anos e fiquei refletindo como poderia abordar essa temática, de forma bem realista (não tão romântica), transportando das paredes do meu espaço terapêutico alguns aspectos importantes, e mais objetivos, sobre a busca de casais por terapia e suas posturas contemporâneas…

Dentre tantos conteúdos interessantes, acho importante comentar que assisto a elaboração, gradativa, de uma maior consciência dos casais em torno da desconstrução de uma crença que o senso comum havia se apropriado, de que: enquanto amor existir, é preciso insistir. 

As pessoas vêm descobrindo a importância de investirem em auto conhecimento, e isso tem envolvido não somente o aumento da demanda por terapia, mas também a busca por se entreterem com leituras, palestras e filmes, que lhes ampare quanto aos temas comportamento humano e relações afetivas.

Dentre os ganhos desse movimento geral de busca por se (re)encontrarem consigo mesmas, está a percepção dos seus limites pessoais e do quanto são responsáveis pela forma como são tratadas nas relações sociais, e de amor, principalmente.

Outro dia escutei de um paciente: “- Busquei terapia porque quem me machuca, possivelmente, não faz”. Confesso que levei uns segundos presa na profundidade dessa narrativa… e o diagnóstico mais sutil, dentre tantos possíveis e profundos, é a discreta forma de me dizer o quanto percebeu que se não pode modificar o comportamento do outro, precisa, ele mesmo, desenvolver novas habilidades para lidar com os incômodos que este outro lhe traz. E, então, essa é a “virada de chave” que identifico na postura das pessoas: ao invés de procurarem no outro a culpa do que lhes ocorre, investem em um mergulho interior, com bem menos pudor do que faziam antes da Pandemia. Sim, existe uma forma de lidar com o tema “comportamento humano” cuja Pandemia foi um divisor de águas.

E, nas relações de amor, também foi assim: ocorreram muitas mudanças de postura, muita consciência da individualidade necessária e saudável nas muitas formas de conjugalidades. E, então, com a consciência expandida, cada um pôde elaborar seus processos e buscar ajuda específica, quando percebiam suas limitações pessoais para lidar com tantas questões relacionais. 

A hiperconvivência da época promoveu muitos divórcios, mas também nunca se viu tantas celebrações de amores antigos. Um ingrediente importante nesse movimento foi a avaliação que cada pessoa leiga em Psicologia, naturalmente, pôde realizar, sobre sua(s) forma(s) de amar. Então, cada vez mais pessoas conseguiram mensurar e avaliar as condições que colocaram o amor e o amar nas suas vidas, o que gerou a possibilidade de identificarem se tinham ou não motivação para continuar nutrindo o amor que sentiam pelos seus pares. 

Nesse percurso, quem me procura já consegue compreender que não é o amor que guia os limites de uma relação, mas sim o amar. Este sim, está enraizado pela admiração, que serve como estímulo para que cada indivíduo que forma o par amoroso possa sentir-se motivado, ou não, a amar aquele par. Amar envolve rega, nutrição e, mais que isso, conexão. E, muitas vezes, não há ausência de amor, mas não se consegue mais amar com naturalidade … porque a desconexão é tão grande, que nenhuma das partes sabe explicar quando, nem como, começaram a “se perder”.

Ao compreender isso, as pessoas vão respeitando bem mais seus limites, se conectando com seus desejos e necessidades, sem tantas culpas, e fazendo a escolha principal: por si mesmas!  Não importa o quanto de amor você ofereça, é preciso abandonar a ideia imatura de que alguém lhe deve amor. Eu sinto as pessoas que buscam por terapia muito mais conscientes sobre as suas responsabilidades afetivas, e, quando percebem que estão paralisadas quando às trocas afetivas, ao invés de culpabilizarem o outro, buscam auxílio para que o psicoterapeuta os ajude a ir de encontro aos seus desejos, sem tanta insistência pela manutenção do vínculo, se eles o reconhecem como não mais saudável. 

Isso é bastante interessante, porque caracteriza que não é mais o tempo de relacionamento que, socialmente os mantém juntos, mas sim a qualidade do vínculo. Assim, buscam apoio para se sentirem novamente livres para irem na direção de um novo alguém, pelo qual estejam, naturalmente, mais disposto a amar, ou assumem um percurso de se reconectarem, primeiro, consigo mesmas, para depois se projetarem como parte de um par.  

O amor é um sentimento, e ninguém nos deve amor. A própria Filosofia nos apresenta isso dessa forma: quando você cobra amor, você adentra uma espiral de disputa, em que existe a luta entre duas consciências, pelo reconhecimento. No amor, toda vez que existir alguém ocupando um papel de dominante, exigindo do outro retribuição pelo que recebe, automaticamente, o outro vai se sentir devedor, e menor, do que quem fornece e cobra amor. Assim, esse relacionamento estará longe de se tornar gratificante e saudável. 

As pessoas descobriram que a saída para isso está na forma como elas se comportam, e começam a realizar uma auto-análise em torno de identificarem como estão seus níveis de disposição para amar. Assim, quando se percebem desmotivadas, prezam pela construção de um término respeitoso, em que estejam salvando ambos, sem se cobrarem estarem presos, que é uma visão do modernismo acerca do casamento. Na pós modernidade, ninguém deseja estar preso por estar em par, logo, ninguém estaria libertando o par quando desiste de insistir naquilo que já consegue compreender que não é mais um estágio socialmente obrigatório do desenvolvimento humano: o casamento. 

Desde que, historicamente, a escolha do cônjuge passou a ser uma decisão pessoal, e não estava mais nas mãos da família, nem do Reino, impor os casamentos, as pessoas foram tomando consciência de que podem, também, elaborar finais felizes, enquanto ainda há respeito. E tão emocionante é quando, como terapeuta, enxergo beleza nas reconstruções dos vínculos, mas nas dissoluções, também, porque, se chegou ao fim é porque muito já havia acabado… alguém já não estava feliz, realizado ou satisfeito…

Bom, uma boa dica pra quem vive o amor em par é que cada um possa avaliar sua decisão por amar, ainda que este vínculo esteja sustentado pelo amor. Amor, esse, que pode continuar a existir, mas, sem escolher por amar, ele, naturalmente, já se transformou, e alguém está evitando enxergar… 

Que nesse 12 de outubro você esteja ao lado do seu amor, com muita vontade de amá-lo! 

Não deixe de investir em ser, PRA SEMPRE, alguém admirável!

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O conteúdo e opinião publicados neste artigo são de inteira responsabilidade do autor ou autora.

Sinara Dantas Neves

Sinara Dantas Neves

Colunista

@acuradoraferida
Doutora e pós doutoranda em Família na Sociedade Contemporânea (UCSaL-BR/ ICS- Universidade de Lisboa – PT);
Mestre em Psicologia (USP); Psicoterapeuta sistêmica (ABRATEF 206-BA); Professora universitária há 23 anos;
Pesquisadora da Conjugalidade; Escritora; Palestrante;

Mãe, amante da sua profissão e apaixonada por gente!

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