Em 2018, vamos ser uma metamorfose ambulante!
Dezembro declara aberta a temporada de confraternizações de fim de ano, festas com amigos, parceiros da firma, grupos de Whatsapp se repetem com os rituais de amigo secreto, seguidas das celebrações de Natal em família e, uma semana depois, o ritual do Ano Novo que entre nós recebeu o nome afrancesado de Réveillon. A cultura abençoa as festas, se expressa pelos rituais. Vale fantasiar por uns dias, sem culpa pelos excessos de gastos, de comes e bebes.
Ninguém estranha as repetições dos rituais, as cenas e as emoções são assim mesmo replicadas, é tudo muito previsível como as fórmulas dos votos reproduzidos – Feliz Natal, Boas Festas, Próspero Ano Novo – há uma aposta e uma expectativa do novo e há um anseio de metamorfose no ar.
Mesmo que o especial de Natal de Roberto Carlos na TV tenha um sabor do peru com farofa exatamente igual aos dos anos anteriores, nada impede as pessoas de desejarem fazer sua fezinha na mudança e na renovação. Sim, Ano Novo, hora de dizer adeus, celebrar o rito de passagem.
A comemoração da passagem do ano é marcada por expectativas mágicas, circulam crenças folclóricas e simpatias tão ingênuas quanto ineficazes, tempo de vestir branco e lingeries multicoloridas, ingerir romãs e lentilhas, tempo de fazer promessas e algum excesso etílico, estouram-se muitas garrafas de champanhe, curioso termo francês para dizer “do campo”, que entre nós virou “espumante”, mais de acordo com as espumas das ondas do mar, a residência de Iemanjá em cujas praias convém celebrar a passagem do ano e assistir à profusão de fogos de artifício e, muitas vezes, pena, alegrias idem.
O Réveillon decreta o fim do ano velho e o início de um novo calendário puxado por janeiro, locomotiva dos meses com seus 365 dias de porvir incerto cujos vagões vem abarrotados de indefinições e mistérios: como será 2018? As dúvidas incitam a ansiedade e quando soa o apito do trem do Ano Novo é comum se escutar infinitas juras por mudança e transformações entre nós, os passageiros.
De repente, multiplicam-se as promessas de enfrentar velhos desafios há décadas adiados como perder peso, ler livros acumulados na estante, beber mais água, encarar um curso útil para dar um “up” à carreira, aprender inglês, fazer terapia e check-up, planejar a viagem dos sonhos, etc. e etc… E por que não? É tempo de dizer adeus às promessas não cumpridas, é tempo do novo e de renovar as melhores intenções. Vamos lá: #em2018partiumetamorfose.
Ritualizar faz parte da sabedoria acumulada da espécie humana. Ritos sinalizam à comunidade as mudanças de status processadas na alma de cada um e dos grupos. Ritos conferem metamorfoses: algo se transformou subjetivamente dentro de cada um. São celebrados para declarar e atestar mudança na substância social dos indivíduos.
Quando os rituais se tornam mecânicos e automáticos perdem a potência de encantamento, viram encenação sem propósito e não incitam ao envolvimento. Sem receber o devido significado, as palavras ditas no rito caem no desencanto e perdem sua potência geradora: a capacidade de conectar-se com os mitos ancestrais e com densidade de sua poesia.
Fazer a passagem para o novo implica em dizer adeus à etapa anterior, se despedir e se desconectar. Sim, há muito armário e gaveta pra esvaziar e muita tralha acumulada para se livrar. Fazer a passagem para o Ano Novo implica em silenciar vozes tóxicas que botam a gente pra baixo e nos deixam com a autoestima no chão. É tempo de esquecer decepções e deslealdades, se der para perdoar, melhor: zerar mágoas nos libera o peso do rancor. E bola pra frente.
Que tal dizer adeus à mania de grandeza e o autoengano que nos acorrentou em propostas irrealistas, que a gente supunha ter potencial para peitar – e não tinha? Também dizer adeus à mania de criar expectativas com pessoas que, depois, nos deixam decepcionados – mas quem mandou projetar tantas potencialidades nos outros? Que tal dizer adeus à dúvida que há chance de mudar, de realizar a metanoia, a velha palavra grega que quer dizer mudança de mentalidade e de transformação?
Em 2018, é preciso dizer adeus à cultura do ódio tão disseminada na bolha das mídias e se reconciliar com a polidez e o gesto gentil. Que tal cantarmos juntos nestes dias o verso esperto da canção de Raul Seixas: eu prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo?
Feliz 2018!
Carlos Linhares
Colunista
Psicólogo e antropólogo, mestre e doutor pela UFBA. Atua na UNEB e UNIFACS. Consultor em Organizações, coach, instrutor e palestrante. Sócio diretor da Strata Consulting.
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