Enviar currículo de papel já pode ser considerado cringe?

jul/2021

Fui ali na chapada dar um mergulho em águas quase glaciais e quando voltei o papo era: ser ou não cringe. Já alinhando o meu lugar de fala, devo esclarecer que sou tão cringe, tão cringe, que minha geração nem foi convidada para a conversa. Deixando um pouco mais claro, sou do tempo que o Olivetto era um símbolo fashion e que usar gravata com a cara do pateta era o must. Cringérrimo! Ave! O povo de 74 é do segundo período da Era Mesozoica. Devo me preocupar se é muito cringe falar fashion ou dizer que o sujeito era o must? Ai ai ai, nossa Senhora do Botox Vencido, socooorrooo!

Nesses dias rolou de tudo, memes mil e discussões mais sérias também. O que pude ver, além do repeteco habitué do choque de gerações que existe desde que o mundo é mundo, foi a super valorização de uma meninada que tem no máximo 25 e uma enxurrada de notícias que só reforçam essa ideia. A primeira é que os bancos estariam avaliando alternativas ao usual boleto. Pois, segundo os GenZ falar nos boletos é o ápice da Cringice.  O meio ambiente agradece, mas bom mesmo seria que os bancos sumissem com as contas! Elas continuarão existindo, fazer o que?!

Outra notícia que movimentou o mercado digital foi a declaração sobre a mudança no foco e no algoritmo do Instagram. Ao que tudo indica, o TikTok está incomodando bastante e a sua linguagem, que foi apropriada por aquela rede com o reels, está gradativamente tomando conta de tudo. Um mar gigante de conteúdos rasos de qualidade bem questionável por sinal. Terão os cringes que sucumbir às dancinhas? Eu já estava agendando uma consulta extra na terapia para refletir melhor sobre este ponto, quando me surpreendi com a notícia da tiktokização dos currículos.

Ainda ontem, circulou na internet que a empresa chinesa começou a testar entre os americanos o envio de vídeos currículos diretamente para empresas como parte de seleções para vagas de emprego. Os TikTok Resumes servirão não apenas para cargos de iniciantes, mas também para postos avançados. Mais de 30 empresas já aderiram ao formato! Isso aí, me incomodou! Mesmo. Não porque, em tese, teria que me submeter em algum momento a esta linguagem. Mas porque acredito, pela projeção que a rede está ganhando, que a prática será rapidamente apropriada pelo mercado, o que poderá deixar profissionais legais e experientes numa desvantagem constrangedora.

Agora, neste momento, um leitor poderá citar algum desses clichês que enaltecem a necessidade de todos nós precisarmos nos reinventar permanentemente. Ok! Eu super concordo. Mas, em que nível? Também no nível do acesso? Qual o impacto que uma “inovação” como essa terá no mercado, frente aos RHs das empresas?

A segregação de profissionais sêniores vem há algum tempo me preocupando, não somente porque faço parte deste grupo, mas porque vejo que os preconceitos com os mais velhos crescem na mesma proporção que a longevidade. Com a completa deterioração da previdência social não é muito difícil perceber que essa conta não fecha. É preciso continuar dando espaço e oportunidade para que profissionais experientes possam trabalhar e também devolver a sociedade toda a sua maturidade. Começar a chamar de cafona pessoa com mais de 25 anos, ao meu ver é algo bem mais complexo do que as dancinhas repetitivas do TikTok. Também neste caso, precisamos estar atentos e fortes.

Alessandra Calheira

Alessandra Calheira

Colunista

Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas, na linha de Cibercultura, pela UFBA; Especialista em Marketing pela ESPM e Publicitária pela UCSal. É sócia fundadora da Proxima e consultora para Gestão Educacional e Empregabilidade da Rede FTC. É ainda professora da Pós-Graduação da UNIFACS e colunista do Bahia Notícias. Atuou como criativa e redatora publicitária quando foi laureada com um Leão no Festival Internacional de Cannes, com uma medalha no Clube de Criação de São Paulo, Top de Marketing da ADVB, entre outros.
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