Imagens do real

dez/2016

Desde os primórdios das civilizações, as cidades têm sido o local por excelência da produção tecnológica, intelectual e artística nas mais variadas sociedades do planeta.

Seu papel na gestação de culturas originais informadas por elementos de diversos povos e movimentadas por uma incessante circulação de ideias, permitiu às urbis uma posição privilegiada no campo de conhecimento.

Espaços de diversidade étnica, linguística, comportamental e ideológica, as cidades são guardiãs do debate cultural em todas as épocas históricas e fontes inesgotáveis do imaginário coletivo.

As cidades são o lugar do hibridismo e do trânsito de informação. São caldeirões pluriétnicos e poliglotas. Enquanto espaços mestiços são espaços multiculturais, que enfatizam o reconhecimento e a visibilidade das diferenças.

A importância cultural e o fascínio que as cidades exercem se manifestam também na capacidade de construir e veicular imagens de si mesmas.

A cidade da Bahia teve o privilégio de contar com artistas plásticos, fotógrafos, músicos, dramaturgos, cineastas e escritores para moldar uma imagem potente e duradoura conhecida como baianidade.

Destaco aqui um ensaio de um cânone da literatura, João Ubaldo Ribeiro que pegou o bastão das mãos de Jorge Amado na escritura e veiculação de uma baianidade:

Não sou, Deus é grande, sociólogo, mas acho que a principal influência é africana, como quase tudo na Bahia. A noção de pecado não existe nas religiões africanas que chegaram ao Brasil. (…) Pecado, que pecado pode haver em desfrutar pacificamente dos prazeres que deus criou para nós nesse vale de lágrimas, sem fazer mal a ninguém, antes fazendo bem? (…) Sim, é isso e tudo mais na Bahia. Uma terrina de vatapá é um sol esplendoroso no meio de uma mesa de variedade inumerável, todas as cores, cheiros e ritmos fagulhando no ar, todos os sentidos mais acesos do que antes suporíamos possível, e prontos para trazer o mundo inteiro para dentro de nós. (…) E que é que se vai fazer, se tudo na Bahia é tesão clara, onipresente e incoercível? Desfrutar, é claro, ars longa vita brevis – tudo dentro da mais absoluta normalidade. Quem não concorda é que não deve ser normal (João Ubaldo in Revista Vogue Bahia, 1999).

 

A baianidade é uma das formas de construir, representar e tornar visível a cidade que, no contexto da cultura de consumo, torna-se mercadoria no vasto e competitivo mercado global. É uma imagem valiosa no campo do turismo.

Para amplificar a imagem da cidade da Bahia no campo da publicidade é fundamental multiplicar e diversificar textos e imagens. Investigar e identificar nichos da cultura popular/cotidiana e assim valorizar e visibilizar a diversidade de nosso estilo de vida. Através de uma rede de informações e ações estratégicas é possível recriar imagens do real, da vida real e espelhar no mercado publicitário a produção, a circulação e o consumo da nossa exuberante produção cultural.

Goli Guerreiro

Goli Guerreiro

Goli Guerreiro

Colunista

Pós-doutora em antropologia, curadora e escritora. Tem 6 livros publicados. Trabalha sobre repertórios culturais contemporâneos em diversos formatos: palestras, oficinas, mostras iconográficas, consultoria e roteiros para audiovisual.

Mais artigos

Ansiedade, estresse e correria – entre Chronos e Kairós

A experiência da ansiedade só é “divertidamente” nos filmes da Disney. Na vida real, cobra um pedágio altíssimo e requer maturidade emocional e resiliência. É sintomático que a animação “Divertidamente 2”, do estudio Pixar, tenha atingido um estrondoso êxito e muitos...

ler mais

“Não espere ficar tudo bem pra ser feliz!”

Você já pensou o quanto de autorização pessoal pra ser feliz você se oferece? Quando é que, finalmente, você vai poder dizer: “Ah! Agora eu posso!” Se você ficar esperando estar tudo bem na sua vida pra poder celebrar, sorrir, curtir e agradecer, vai passar parte dela...

ler mais

Marca: Porto.

Há cerca de dois meses, deixei o Brasil e vim para a Europa, trazendo comigo a curiosidade de um estudante de marcas e estratégia. Foi assim que Porto me capturou, não só pela riqueza cultural, mas pelo seu posicionamento tão marcante. Este texto difere dos...

ler mais

Brasil, país dos influencers!

Não somos mais só o país do futebol ou do samba; somos, também, o país dos influenciadores e das redes sociais.  Atente-se aos dados: de acordo com relatório do Influency.me – 84% das pessoas contam com as mídias sociais no momento da decisão de compra (fonte: ODM...

ler mais

Consumo insustentável na sociedade do excesso

Recentemente, fui convidado pelo Instituto Multiversidad Popular, em Posadas, na capital da Província de Missiones, na Argentina, para falar para os alunos de curso de pós-graduação. A missão da “Multi”, como a instituição é carinhosamente conhecida, é difundir...

ler mais

junte-se ao mercado