Investimentos na saúde em tempos de crise

dez/2019

“Investimentos no setor de saúde não são apenas investimentos no setor de saúde. São investimentos para o crescimento econômico e para um futuro mais justo e próspero para todos”. Esta frase foi dita pelo diretor geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em 2018, durante um dos encontros mensais da Comissão Intergestores Tripartite, realizado em Brasília.

 

Na mesma ocasião, o gestor citou os cinco pilares considerados essenciais para o aprimoramento dos serviços de saúde: desenvolvimento de líderes comprometidos, políticas claras, melhoria de sistemas de saúde orientada por dados, capacitação de profissionais de saúde e oferecimento de ferramentas para que possam trabalhar e, por fim, envolvimento dos pacientes e suas famílias no processo do cuidado.

 

Quatro anos antes disso, eu assumia o meu primeiro mandato como provedor da Santa Casa da Bahia, correspondente ao triênio 2014-2016, que coincidiu justamente com o período da última recessão econômica. Não bastasse o enorme desafio de assumir o comando de uma instituição com tamanhas tradição e robustez, com mais de 5 mil colaboradores, cerca de 3 mil somente no Hospital Santa Izabel, iniciei a gestão em meio a um cenário de total insegurança local, nacional e mundial.

 

Somado a isso, me tornei líder de uma entidade de saúde filantrópica, que há anos enfrentava os desafios financeiros oriundos da desatualização da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Um levantamento apresentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2015 revelou que mais de 1.500 procedimentos da Tabela SUS estavam defasados, em avaliação ao período de 2008 a 2014, a partir de uma análise de dados do Ministério da Saúde.

 

Era necessário aumentar a rentabilidade oriunda do atendimento a pacientes conveniados a operadoras de saúde, com foco especial nos esforços voltados ao investimento na saúde suplementar. A principal reflexão que aquele momento me trouxe foi a de que a saúde e o desenvolvimento econômico são coexistentes e que era essencial elaborar e seguir um plano com medidas que garantissem eficiência, crescimento, qualidade na assistência, alcance de resultados e aplicação planejada de recursos.

 

Minha primeira ação foi estabelecer um convênio com a Fundação Dom Cabral, renomada escola de negócios brasileira, para a implantação do programa Parceiros para a Excelência (PAEX). A iniciativa tem o objetivo consolidar uma cultura voltada ao aumento da competitividade e aprimoramento de resultados a partir do desenvolvimento de um modelo de gestão composto por ferramentas gerenciais e estratégicas.

 

Com foco na capacitação de lideranças, das áreas assistenciais e administrativas, a iniciativa vem ajudando a projetar a Santa Casa para o futuro, com avaliações gerenciais mensais, softwares de gestão de indicadores, monitorias e programas para o desenvolvimento de dirigentes.  As contribuições das novas metodologias implantadas logo começaram a ser notadas, com reflexos nas mudanças de processos, no sucesso dos negócios e no enriquecimento humano a partir de ações práticas, com consequente contribuição para a perpetuação da instituição.

 

Paralelamente às iniciativas advindas da relação com a Fundação Dom Cabral, iniciamos junto a colaboradores de hierarquias diversas, a capacitação para o desenvolvimento de projetos com base na metodologia Lean Six Sigma, que visa aprimorar processos, eliminar desperdícios e priorizar elementos que agreguem valor aos pacientes.

 

Estas e outras medidas para a implantação de ferramentas a fim de capacitar profissionais e tangenciar melhor os números, de maneira que resultados fossem mais bem avaliados dentro das perspectivas de um planejamento estratégico macro e por unidades de negócio, começaram a contribuir para tomadas de decisões mais consistentes.

 

Com foco no crescimento, modernização e requalificação ordenados da infraestrutura do Hospital Santa Izabel, um plano diretor de projetos e obras foi elaborado e colocado em prática, tão logo recuperamos um terreno antes cedido a uma instituição de ensino superior. Ainda em 2014, o Hospital Santa Izabel ganhou o Programa Trainee para Enfermeiros, um lactário, colocou em operação um novo aparelho de Hemodinâmica, apresentou as novas instalações da unidade de oncologia pediátrica e, entre outras intervenções, iniciou a reestruturação gradativa dos centros cirúrgicos com a compra de novos equipamentos.

 

No ano seguinte, o plano de reestruturação do Hospital Santa Izabel seguiu em andamento, focado na geração permanente de índices de maior eficiência, com reforma de enfermarias, implantação de novos protocolos assistenciais, desenvolvimento de novas pesquisas científicas e as inaugurações pioneiras na Bahia das Unidades de Transição de Pacientes e Cuidados Paliativos.

 

E, em reconhecimento e valorização ao compromisso da instituição com a prestação de serviços qualificados e seguros, frutos de um trabalho focado na pluralidade do conhecimento por meio da assistência transdisciplinar, o Hospital Santa Izabel conquistou, em 2015, a Acreditação Plena – Nível II, concedida pela Organização Nacional de Acreditação.

 

Ainda que os resultados começassem a se apresentar de maneira mais consolidada, os desafios impostos pela crise ainda estavam longe de terminar. O ano de 2015 contabilizou o fechamento de mais 2 milhões de postos de trabalho no Brasil, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o que acarretou no aumento do número de pessoas sem planos de saúde. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, o desemprego aumentou 38,1% naquele período, em comparação a 2014, pior resultado registrado desde 2004.

 

Em artigo publicado no blog Brasil Debate, da revista Carta Capital, em julho de 2017, o economista Rafael Silva atestou, com base em estudos, que “em períodos de crise, o principal responsável pela retomada virtuosa do crescimento econômico é exatamente o incremento em setores como a saúde”. O especialista ainda afirma que, “com maiores garantias da qualidade de saúde e consequentemente de vida, eleva-se o patamar de riqueza e produtividade, pois o trabalhador produzirá mais e melhor”.

 

Diante do cenário agravado pela crise, em meio a esforços contínuos para a mudança de cultura voltada à conquista da eficiência com a aplicação de menos recursos e controle de desperdícios, seguimos investindo no desenvolvimento e fortalecimento do Hospital Santa Izabel, com o nível de inovação e pioneirismo que acompanha a Santa Casa da Bahia desde o ano de sua fundação, em 1549. Com recursos próprios, a instituição inaugurou, em 2016, a nova e moderna infraestrutura do ambulatório voltado ao atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), instalado no terreno anteriormente recuperado, e conquistou a Certificação por Distinção – Nível Diamante, o mais alto reconhecimento de qualidade a serviços de hemodinâmica e cardiologia intervencionista, concedido pela Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SCBHCI).

 

A Santa Casa da Bahia seguiu com investimentos na área de saúde e gerando empregos a partir da contratação de mão de obra qualificada.  Segundo dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), a Saúde Suplementar já é responsável por 8,1% da força de trabalho do Brasil.

 

Com a chegada do meu segundo mandato como Provedor, em 2017, a Santa Casa da Bahia seguiu com investimentos em tecnologia e no desenvolvimento de pessoas, com o objetivo de assegurar uma assistência mais segura, qualificada e eficiente. Naquele mesmo ano, começamos a utilizar a expertise do Hospital Santa Izabel para promover o desenvolvimento de hospitais públicos e particulares de pequeno porte no interior do Estado.

 

Em entrevista à Revista Exame, em 2016, o presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados, Francisco Balestrin, afirmou que em momentos econômicos críticos “empresas buscam rever seus processos e sua infraestrutura em busca de maior eficiência e que a tecnologia pode ser uma aliada importante, seja com o intuito de otimizar processos, seja para reduzir custos”.

 

Ao mesmo tempo em que buscamos fortalecer setores voltados para pacientes da rede de saúde suplementar, com o objetivo de suprir os problemas causados pela deficiência de recursos na área pública, não deixamos de pensar e implementar iniciativas voltadas a promover uma melhor sustentabilidade dos serviços prestados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Ainda em 2017, o Hospital Santa Izabel deu início à corrida pela Acreditação Canadense Qmentum International e conquistou o nível 6 da certificação concedida pela Healthcare Information and Management Systems Society (HIMSS) EMRAM 6, que reconhece a implementação de sistema completo de suporte à decisão, circuito fechado de gerenciamento de medicação e a possibilidade de tratar dados clínicos por meio de análises estatísticas.

 

No ano passado, o Hospital Santa Izabel ganhou aplicativos para estreitar e facilitar a comunicação entre médicos e pacientes, apresentou unidades reformadas, como o Pronto-Atendimento Pediátrico e o Laboratório de Análises Clínicas, e lançou mais novas iniciativas, como o Núcleo de Relacionamento Médico. O projeto, pioneiro no Nordeste, tem o objetivo de promover melhorias no atendimento ao mesmo tempo em que atende a necessidades do Corpo Clínico, por meio da análise de indicadores de desempenho. Também envidamos esforços no projeto de implantação do Escritório de Experiência do Paciente, com o propósito de monitorar diretamente a avaliação de pacientes e colaboradores sobre os processos assistenciais.

 

 

Investimentos voltados ao fortalecimento de projetos de humanização, alguns inéditos na Bahia, como o Cão-Terapia, que leva o labrador Angus e a Yorkshire Kira para visitar unidades pediátricas e adultas do Hospital Santa Izabel, também foram feitos. Especialistas reconhecem a influência de ações humanizadas na melhora do estado psicológico do paciente com contribuição direta nos avanços do tratamento, o que pode significar menos tempo de internação.

 

Agora em 2019 estou vivenciando o meu último ano à frente da Santa Casa da Bahia. A instituição está comemorando o 470º aniversário sendo detentora do primeiro hospital a realizar cirurgia robótica na Bahia e certificado internacionalmente com a Acreditação Canadense Qmentum International.

 

Com investimentos na casa de R$ 30 milhões apenas no primeiro semestre, o Hospital Santa Izabel acaba de ser reconhecido com a classificação máxima (nível 7) Healthcare Information and Management Systems Society (HIMSS) EMRAM 7. A certificação atesta a implantação completa do prontuário eletrônico dos pacientes e integração máxima em todos os departamentos do hospital, com a avaliação de resultados clínico-assistenciais trabalhados por soluções em business intelligence.

 

Durante a reunião em Brasília, em 2018, o diretor geral da OMS também destacou que é de extrema relevância garantir atendimento de qualidade às pessoas que buscam cuidados, pois “se eles não forem seguros ou forem de baixa qualidade, os pacientes vão parar de usá-los e isso pode levar a uma enorme carga de doenças que, definitivamente, terão alto custo de tratamento”.

 

De acordo com dados da Superintendência de Estudos Econômicos da Bahia /IBGE, juntamente com a Educação, a Saúde é responsável por 3,8% do PIB baiano. Segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde em julho deste ano, o Brasil é o 8º maior mercado de saúde no mundo e está em 9º lugar no ranking de países com mais gastos com saúde.

 

As medidas e inovações aplicadas pela Santa Casa da Bahia nos últimos anos na área de saúde contribuíram para fortalecer ainda mais a própria instituição, em meio aos enfretamentos implicados pelos desafios da gestão. Mas também serviram para marcar novos capítulos na história de desenvolvimento da saúde do Estado e, por consequência, a sua economia.

 

Encerro as linhas deste artigo registrando que sem o capacitado e engajado corpo de profissionais que fazem parte da Santa Casa da Bahia, desde os líderes do Núcleo Executivo até os diversos analistas e auxiliares, nenhuma dessas conquistas teria sido possível. Termino este mandato com a certeza de que as potencialidades da instituição e das pessoas que dela fazem parte são inesgotáveis, para a concretização de contribuições para a Bahia e todo o Brasil.

 

Roberto Sá Menezes

Roberto Sá Menezes

Colunista

Provedor da Santa Casa da Bahia, fundador e presidente do Grupo de Apoio à Criança com Câncer da Bahia (GACC-BA), membro do Conselho Fiscal da Associação Obras Sociais Irmã Dulce (AOSID) e do Conselho Consultivo da Confederação das Santas Casas de Misericórdia do Brasil (CMB).  
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