O que a mídia não vê nas festas populares

jan/2017

Os veículos de comunicação muito mais do que as políticas públicas são os responsáveis por manter algumas das tradições baianas que se não fosse a mídia já teriam desaparecido por completo. E falei em mídia num sentido genérico por uma questão de generosidade; na verdade estava me referindo às emissoras de televisão que costumam ser mais atentas e comprometidas nesse particular.

Uma dessas tradições que a televisão mantém viva é a da Festa de Reis que tem como referência a Igreja da Lapinha e que sobrevive a duras penas graças ao empenho de algumas famílias que se esforçam em manter a tradição dos Ternos e Ranchos, o que não é fácil. Motivar os jovens, ligados no dia a dia no pagode e no funk, a entoar cantigas de pastorinhas, não é uma tarefa simples, convenhamos.

O que a mídia deveria saber é que os Ternos de Reis e em especial os Ranchos são a matriz dos afoxés e das Escolas de Samba. Esses agrupamentos familiares e de vizinhos de bairro nos legaram os elementos simbólicos e coreográficos, incluindo o porta estandarte e o babalotim. Foi uma lenta transição que recebe influências do lundu, do maxixe e do frevo e então os cânticos de pastores ganharam versões chulas e mais tarde enredos. Não há como se fazer uma antropologia das festas Populares e do Carnaval baiano sem atentar para esse valioso legado de Ternos e Ranchos.

A cobertura da mídia televisiva a estas manifestações é razoável, mas garante a motivação dos grupos envolvidos e a sua sobrevivência. O mesmo não ocorre com outras festas populares que a mídia ignora no que deveras interessa, os elementos de raízes. É o caso da Lavagem de Itapoan que a mídia cobre, quando a “festa principal” já terminou. As emissoras de TV e alguns repórteres dos jornais aparecem no espaço da festa após as 10 horas da manhã para filmar e anotar as mesmas coisas de todos os anos, quase que cumprindo uma pauta de obrigação.

O cerne da festa de Itapoan é de madrugada, longe das câmaras e dos fotógrafos. Começa às duas horas da manhã com o Bando Anunciador que percorre as ruas do bairro e termina na alvorada das cinco horas com o legítimo samba de umbigada em frente à igreja. É a verdadeira Festa de Itapoan que a mídia não vê e não mostra para os baianos.

 

Nelson Cadena

Nelson Cadena

Colunista

Escritor, jornalista e publicitário.

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