Que soprem os bons ventos
O Verão é a alta estação para a maior parte do Brasil e são muitas as possibilidades disponíveis. Dentro do nosso estado, o verão acontece de diferentes formas e em muitos destinos, mas cabe destacar o verão de Salvador que a cada ano oferece novas e antigas experiências. Uma cidade que se moderniza, atualiza e busca preservar a essência de suas tradições.
Nesses dias de verão o calendário da cidade é repleto de festas, mas as chamadas festas populares (outrora festas de largo) formam uma combinação entre a tradição (a Lavagem do Bonfim celebra 280 anos) e a vanguarda. São festas que seguem mobilizando de forma democrática pessoas de diversas religiões, classes sociais, gêneros, cor, idade, escolaridade e que juntos celebram os santos e as divindades, agradecem, mas também fazem pedidos, cumprem promessas em um equilíbrio entre o sagrado (sincrético ou não) e o profano.
Em um grupo de zap revi fotos antigas da Lavagem quando ainda os burros puxavam carroças enfeitadas. Explicado que a presença dos animais só aconteceu vários anos depois da origem da festa e que em 2011 foi proibido por lei em razão dos maus tratos e sofrimento causados aos animais, a questão foi posta no grupo: quem achava que deveria manter a permanência do animal por ser uma tradição e quem achava certo excluir? Da minha parte não tive nenhuma dúvida. Não pode existir ou persistir qualquer tradição que justifique maus tratos a pessoas ou animais; que prejudique o meio ambiente; que traga preconceitos e exclusões de pessoas por qualquer viés.
Atualmente muitas pessoas vão para a Lavagem em horários diferentes do cortejo fazendo seus horários próprios. São grupos de pessoas que participam da festa em clubes de corridas, caminhadas ou de bicicletas; grupos culturais, grupos religiosos diversos. E a procissão segue com todos juntos aos mais fiéis que carregam o dono da festa. É a atualização da tradição sem descaracterizá-la, respondendo positivamente ao tempo e agregando evolução.
Em breve, dia 02 de fevereiro, a festa muda e celebraremos Iemanjá (a única entidade de matriz africana a ter uma festa de devoção popular própria sem ser sincrética). Da mesma forma a festa é democrática assim como requer o mar. A todos é acessível. E exatamente nesse mesmo contexto cabe divulgar, ensinar e apoiar mudanças em algo que veio da tradição do festejo: os presentes para a rainha do mar. No imaginário geral a energia do mar é uma mulher vaidosa e maternal que gosta de receber pentes, escovas, espelhos e perfumes. Em agradecimento, os fiéis então tendem a colocar oferendas com materiais que agridem os mares e oceanos como plásticos diversos, objetos de vidro e metais. Muito já se avançou no sentido de, na Casa dos Pescadores onde é montada a oferenda principal, só se aceitarem flores (o líquido dos perfumes é colocado nas flores e descarta os frascos) ou itens biodegradáveis como papel. Natural que seja assim até porque seria um contra censo a espiritualidade acolher algo que prejudica sua morada e o equilíbrio da natureza.
A tradição é um bem precioso de Salvador e da Bahia. Devemos preservar e valorizar ao máximo nossa identidade. Em época de tamanhas exclusões e separações nossas tradições são gregárias e por isso vanguardistas. Podemos, sem culpa ou medo, oferecer as melhores práticas à espiritualidade como uma oração, flores, barquinhos de papel porque o que importa mesmo é a presença, a intenção positiva e a prática do bem que atravessa o tempo.
Nesse ano a energia dos ventos rege nossos caminhos. Que os melhores ventos soprem sobre todos nós, afaste o que não deve permanecer, e traga brisas de boas e novas perspectivas para todos.
Artigo publicado originalmente no Correio* em 19/01/2025
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João Gomes
Colunista
Sócio-Diretor da Bem Querer Consultoria
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