Suas pausas também são seu trabalho!

nov/2023

Você já pensou sobre isso?

Se, não, com certeza já sentiu  aumentar sua produtividade, após um período de descanso. 

Mas, por que, então, você não se permite pausar mais vezes? 

Eu já até imagino a resposta: por culpa, né?! A incrível sensação de sentir culpa, por lealdade invisível àquele parente ou amigo que lhe faz acreditar que folga é coisa de vagabundo, ou que é privilégio de gente rica. E você não se enquadra em nenhum dos 2 aspectos, certamente! 

A quem você estaria traindo se você se permitisse descansar sem se culpar? (A grande questão é, mais ou menos, essa). 

Vejo profissionais autônomos aprisionados, fazendo passeios escondidos, como se houvesse fiscais, supervisionando suas pausas, que passariam pelo crivo dos juízes de plantão, que nem suas contas pagam, e, conscientemente, nem eles mesmos sabem porque se preocupam tanto! 

Por que será que, na sociedade contemporânea, o trabalho ainda está, quase sempre, associado à luta, batalha, sacrifício? Será que você não é um dos responsáveis por perpetuar esse estigma? 

O que você tem feito no seu tempo livre? 

Sinto informar que, na contemporaneidade, o jeito mais cômodo e discreto de passar tempo tem sido se deixar levar pelo conteúdo das telas dos celulares, enquanto o tempo escorrega por entre os nossos dedos, sem sentirmos, e sem quase nenhum dos julgadores enxergar. Só que telas estimulam, ainda mais, nossos cérebros, e, por isso, não nos sentimos descansados. 

Com ‘nossas telas’, vivemos sob uma proteção ilusória de que poderão achar que estamos trabalhando, mas, na realidade, não fugimos de um julgamento ainda mais voraz: o nosso, ao avaliarmos que nem produzimos, nem descansamos. 

Mas, vocês já repararam o fenômeno diferenciado que ocorre quanto às pausas das sextas feiras? 

Existe até um dito popular entre os autônomos: “Na sexta, quem trabalha é besta!”. 

Passamos a semana sonhando com o único dia útil que nos autorizamos relaxar; criamos o termo “sextou”, transformando esse dia, especial, da semana, em verbo, e nos permitimos pausar após o almoço, e curtir aspectos da vida além trabalho. Isso, pelo menos, até o domingo de tarde, que é quando a segunda feira já se anuncia, e a conhecida culpa começa a dar novos sinais de vida! 

Ou seja, dos 7 dias da semana, no Brasil, só é nos dado a chance de relaxar sem rótulos, de sexta à tarde ao domingo à tarde. 

Mais que isso, só quem assume a responsabilidade sobre a própria vida e suas escolhas particulares, pra viver essa experiência quando o corpo ou a mente pedem. Estes seres, raros, não se sentem devendo nada pra ninguém, porque, são eles, os donos da própria consciência e dos desejos e necessidades que “SI” dão o direito de seguir: um luxo, pra quem olha de fora e sente a vida de formas diferentes. 

Brené Brown defende que “requer coragem dizer sim para o descanso em uma sociedade onde a exaustão é vista como símbolo de status.” Parece que as pessoas estão disputando quem, dentre elas, estará mais cansada, após um dia de trabalho, como se isso conseguisse provar qual é o mais bem sucedido, o mais requisitado: o menos descansado. 

As pessoas passaram a comentar quantos pacientes atendem por semana, quantos projetos e quantos mentorandos ou alunos já tiveram, como símbolo de projeção e reconhecimento técnico do trabalho que desempenham. 

E, se isto acontece, é porque existem pessoas que se baseiam nesses dados como critério de escolha. 

Assim como seu trabalho é mais valorizado se sua agenda estiver cheia, e for preciso entrar para uma lista de reserva, naturalizou-se que ‘profissional bom’ é ‘profissional cansado’, que trabalha, mesmo enfrentando opressões, e, por isso, se queixa estar ‘na labuta’! 

Mesmo com a Psicologia Organizacional defendendo o intuito de existirem pessoas tão produtivas quanto satisfeitas no ambiente organizacional, ainda parece milagre, ou soa como mentira, se alguém declarar que é realizado com o que faz, e que, por isso, seu ofício não lhe dá trabalho. Vivem dizendo que é para termos cuidado com esse tipo de declaração, sob a justificativa de que somos cercados de invejosos, como forma de perpetuar aquela narrativa de desprazer laboral, que passamos séculos repetindo. 

Que tal se você se empoderar da sua condição de autônomo e experimentar fingir que uma terça feira é sexta? Uma quarta qualquer é sábado? Um quinta é domingo? Só pra você avaliar como seria…

Afinal, você trabalhou muito pra chegar no estágio de poder se dar a liberdade de “se dar folga” quando você quiser, sem achar que é irresponsabilidade sua.

Houve uma caminhada profissional pra você chegar até aqui, e é injusto se deixar levar pela opressão do sistema, sem considerar este aspecto. 

Mas, tem um detalhe na  experimentação proposta aqui: não vale dizer pra si mesmo que você ‘sextou’ na terça! 

A proposta envolve você ter a ousadia de assumir, pra si, e pro mundo, que ‘terçou’ na terça; ‘quartou’ na quarta ou ‘quintou’ na quinta. Você PODE e DEVE se permitir pausar quando desejar, ainda que não necessite pelos únicos motivos socialmente aceitos e livres de júri: adoecimento ou velhice. 

Pessoas tomam essa consciência com muito mais naturalidade na velhice, ou quando sofrem algum problema de saúde, em que são obrigadas a desacelerar, e aí, geralmente, mudam radicalmente os hábitos, como se estivessem agarrando a chance de re-viver, então, se permitem incluir a qualidade de vida como necessidade básica. 

Na nossa sociedade, ainda há um estranhamento quando você promove pausas a você mesmo. 

Mas, pense que suas pausas também são seu trabalho! Você precisa delas para se reenergizar, se oxigenar, e voltar para o trabalho com a mente mais sã, sendo mais funcional e mais assertivo nos resultados que precisa alcançar.

Já escutou que, pra se relacionar de forma saudável com os outros, é essencial cuidar primeiro de você? Cuidar de si, para cuidar dos outros. 

Isso não tem relação direta com nenhum fator financeiro. O que estou propondo, aqui, é uma reflexão que possa gerar uma expansão de consciência, capaz de estimular você a decidir que sua caminhada profissional pode ser saudável, leve, focada e cheia de pausas, estimulando um novo estilo de vida, que possa, quem sabe, te proporcionar a chance de ir à praia, após tanto tempo morando tão perto dela… e voltar, muito mais focado no que trabalho que tem pra realizar. 

Experimente! Você trabalhou muito pra chegar onde está. Isso é luxo, sim, mas você conquistou. 

Você pode ser LEAL aos seus amigos e parentes que carregam crenças de escassez, mas não precisa ser FIEL a elas. 

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O conteúdo e opinião publicados neste artigo são de inteira responsabilidade do autor ou autora.

Sinara Dantas Neves

Sinara Dantas Neves

Colunista

@acuradoraferida
Doutora e pós doutoranda em Família na Sociedade Contemporânea (UCSaL-BR/ ICS- Universidade de Lisboa – PT);
Mestre em Psicologia (USP); Psicoterapeuta sistêmica (ABRATEF 206-BA); Professora universitária há 23 anos;
Pesquisadora da Conjugalidade; Escritora; Palestrante;

Mãe, amante da sua profissão e apaixonada por gente!

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