Belong to: mutações no pertencer no século 21
Está em curso uma incrível metamorfose no sentimento de pertença. É deste sentimento que se pode esperar engajamento, fidelização e sobretudo identidade. As lentes da antropologia e da psicologia há décadas alertam para as transformações em curso, neste campo. Multiplicam-se os sinais de novos estilos de enraizamentos e laços. Pertencer é um verbo de raiz.
Os vínculos da pertença estão em franca mutação. Pedem mais compreensão do que espanto e mera perplexidade. Exigem tato e alertam quanto ao risco de preconceitos.
Todos os territórios e tribos são perpassados por esta metamorfose. Pertencer no mundo contemporâneo foi alvo de extensa pesquisa no Reino Unido, em 2007, envolvendo mais de 3 mil entrevistados. Apareceram respostas surpreendentes que vamos assinalar aqui.
A pertença à família vai bem, obrigado, o sentimento de pertença é forte mesmo em famílias das ditas novas conjugalidades. Um mero piercing ou uma simples tatoo podem transmitir nutrientes de identidade para indivíduos com atitude e revelar seu enraizamento a suas tribos. Um gestor de empresa talvez possa pegar carona neste sentimento de pertença apenas reconhecendo que há valor subjetivo no penteado exótico, na tatuagem ou se interessando por detalhe de sua roupa. Reconhecer o valor presente nos signos de identidade do outro pode gerar o efeito de recompensa e promover aderência.
A rede de amigos se fortificou, tem tomado muita força neste campo, especialmente se se trata de gente com estilos de vida, atitude e consumo em comum. Amizades, de acordo com a pesquisa britânica, superam e muito velho sentimento patriótico, em franco declínio. Patriotismo não dá liga, a não ser que se traduza como pertença ao território e a sua cultura. Outra surpresa: a pertença às empresas é detectada com muito menos vigor do que com a identidade profissional. A profissão ainda é o primeiro nome de identidade pronunciado depois do próprio nome.
No campo dos esportes e em especial a pertença às torcidas de futebol, o sentimento supera e muito o velho patriotismo. A gente observa isto no Brasil: o ufanismo quando a seleção entra em campo. O sentimento de integrar torcidas é tão intenso quanto o apreço aos hobbies e interesses de compartilhados. Torcedores, motoqueiros e ciclistas se sentem tão vinculados às suas práticas desportivas que pagam caro para usar as marcas e logos de suas fontes afetivas de identidade. Se vestem por fora do que estão revestidos por dentro.
O mesmo ocorre com o quesito raça: declina enquanto emerge a percepção de etnia e etnicidade. Etnicidade, tema desafiador, merece ser estudado. Um quesito em forte mutação é a pertença à religião. Ele declina e muito em ambientes democráticos e onde há escolaridade alta. Perde longe para a espiritualidade, em franca expansão. Mas em lugares onde ainda há baixo grau de educação e onde pastores lavam a cabeça das ovelhas, a religiosidade permanece como forma de manipulação. Manipuladores pegam carona nas lacunas do sentimento de cidadania e transformam suas igrejas em próteses de inclusão social.
Este movimento todo acontece nas nuvens, nas nuvens que nos conectam a todos pertencentes à Tribo Ciber. A Era Digital se tornou um campo de pertencimento com tribos de migrantes e nativos digitais. Todos estes novos laços e fios do pertencer no século 21 se desenvolvem no ambiente das nuvens da Era Digital. Efetivamente e afetivamente.

Carlos Linhares
Colunista
Psicólogo e antropólogo, mestre e doutor pela UFBA. Atua na UNEB e UNIFACS. Consultor em Organizações, coach, instrutor e palestrante. Sócio diretor da Strata Consulting.
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