E se estiver tudo dando certo, só que em silêncio?

jun/2025

Esses dias eu estava escutando um podcast. Na verdade, escutar podcast é algo que mais tenho feito ultimamente. Às vezes para aprender, às vezes para me distrair, às vezes só para sentir que tem alguém pensando alto do outro lado também. E foi numa dessas escutas despretensiosas, enquanto andava pela vila e deixava o pensamento correr solto, que ouvi uma frase que ficou reverberando em mim: “O plantio pode até ser aleatório, mas a colheita é certa.”

Na hora, eu sorri como quem escuta uma frase bonita e segue em frente. Mas algumas frases não seguem. Algumas frases param. Criam raízes. Incomodam como uma semente que germina no lugar menos esperado.

Desde então, venho me perguntando: será que todo plantio é mesmo certo? E o que é exatamente colher? Quem define isso?

Tenho pensado nos meus próprios ciclos. Nos projetos que investi tempo e coração e que não saíram do papel. Ansiedade ? talvez! Nos textos que escrevi e deixei em rascunhos. Nos trabalhos que não renderam o retorno esperado, mas me renderam maturidade. E nas vezes em que achei que estava perdendo tempo, quando na verdade estava acumulando vivência.

Às vezes a gente planta sem nem perceber. Um gesto, uma conversa, uma ideia guardada, uma escolha feita no impulso. A vida é esse terreno constante onde estamos sempre semeando alguma coisa. A diferença é que nem tudo floresce de forma visível. E quase nada floresce no tempo que a gente gostaria.

Vivemos uma era da pressa e da vitrine. A sensação de que estamos ficando para trás é diária. Alguém lançou um curso, outro foi promovido, alguém viralizou com uma ideia simples. E a gente aqui, plantando no escuro. Se perguntando se tem algo errado com o nosso solo. Com o nosso jeito de fazer. Com a nossa falta de resultados públicos.

A verdade é que a lógica da urgência virou regra. E, com ela, a ansiedade de performar o tempo todo. Como se valor só existisse quando é visto. Como se a única maneira de ser relevante fosse fazer barulho.

Mas tem outro caminho. Um caminho menos ruidoso, mais silencioso. Que não cabe em pitch de vendas nem em reels de 30 segundos. Um caminho que vai se construindo por dentro. Que não se define por cargos, nem por prêmios, mas por um senso interno de coerência e presença.

Porque nem todo fruto se colhe com as mãos. Alguns a gente colhe no olhar mais leve. Na tranquilidade com que passa a dormir. Na certeza de que não precisa mais correr para se provar o tempo todo. Na consciência de que estar em paz vale mais do que estar em evidência.

A carreira não é uma linha reta. É um conjunto de estações. Tem estações de abundância, tem de poda, tem de espera. Às vezes a gente está florescendo por dentro, mesmo que por fora tudo pareça igual. Às vezes o que parece um desvio é só uma parte necessária da estrada. Às vezes aquilo que não aconteceu agora era só um ensaio para algo que ainda vai chegar mais estruturado, mais maduro, mais seu.

E não se engane: nem toda colheita é visível. Tem gente que colhe aprendizados. Tem gente que colhe coragem. Tem gente que colhe amor-próprio depois de anos dizendo “sim” para tudo. Tem gente que colhe silêncio e, nesse silêncio, encontra respostas que barulhos não deixavam ouvir.

Sim, o mercado exige resultado. Sim, precisamos pagar boletos, mostrar trabalho, manter relevância. Mas, se a gente não cuidar do que é semente, tudo vira ruído. Tudo vira esforço mecânico. Tudo vira cansaço.

Por isso, quero propor um outro olhar sobre o que estamos construindo. E se, em vez de tentar apressar a colheita, a gente aprendesse a honrar o tempo do plantio? E se a gente parasse de se comparar com quem está colhendo agora, lembrando que talvez essa pessoa esteja há anos semeando no escuro?

Sobre o valor das pausas e o que floresce nelas

Muitas vezes confundimos pausa com fracasso. Intervalo com desistência. Mas o que acontece se a gente olhar para a pausa como um espaço sagrado? Como aquele momento em que o terreno se reorganiza, o corpo respira e a mente se reorienta?

Já parou para pensar que algumas das nossas melhores ideias surgiram em momentos de pausa? Que muitas viradas de chave aconteceram quando não estávamos “produzindo”? Que foi no intervalo entre uma estação e outra que conseguimos entender o que realmente queríamos seguir fazendo?

Às vezes é preciso parar de cavar para perceber que a raiz já está crescendo. Às vezes é preciso se afastar para enxergar com mais clareza. Às vezes é preciso confiar que o tempo tem sabedoria que a pressa não tem.

E se o que você estiver vivendo agora for justamente isso? Uma pausa fértil. Um replantio. Uma preparação silenciosa para algo que ainda não tem nome, mas que já começou?

Se for, acolha. Não corra. Não se compare. Só cuide da terra. Cuide de si.

Porque a colheita é certa, sim. Mas ela não se resume a frutos visíveis. Às vezes ela se revela em quem a gente se tornou no processo. E isso, acredite, vale mais do que qualquer métrica de sucesso.

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O conteúdo e opinião publicados neste artigo são de inteira responsabilidade do autor ou autora.

Emanuel Bizerra

Emanuel Bizerra

Colunista

Comunicólogo e ecologista, especialista em consumo, marcas e comunicação. Observador da vida cotidiana e amante da natureza, escrevo quando pede o coração.

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