Um pouco do (meu) mundo e um tanto de África: (meu) diário de viagem
Com 37 anos estou vivendo uma temporada na África, e vocês devem imaginar o quão desafiador é arriscar algumas experiências.
Ao longo dos últimos anos tenho me colocado em lugares e situações que me causem novas sensações, descobertas, reflexões e reconhecimento. De capitais na América do Sul aos países europeus e suas formas diferentes de conexão, pensamentos e expectativas. Tudo isso é muito lindo, mas foi em 2022 que senti um delicioso choque cultural ao viver três semanas em Dubai – com extensão a Abu Dhabi, e reconhecer no dia a dia a prática da religião muçulmana.
Nessas minhas andanças sempre amei transitar entre distintas realidades. Da festa brega ao concerto clássico, do rooftop exclusivo ao boteco de bairro com higiene duvidosa, das capitais efervescentes aos interiores mais longínquos. Tudo me inspira, tudo me ensina, tudo me capacita.
Após duas longas viagens para Europa em 2023, decidi que em 2024 eu queria viver o continente africano ou uma intensa vivência asiática. Eis que o pensamento virou ação e cá estou em Moçambique, cidade de Pemba, após 32 dias na África do Sul.
Tão próximas e tão diferentes, as realidades desses dois países estão nas cores das pessoas, no desenvolvimento social, na contradição econômica e nas expectativas coletivas. De um lado uma África superdesenvolvida, moderna, cosmopolita e intensa. Do outro, uma África carente, hospitaleira, colorida, necessitada e explorada.
Primeiro tomei um choque, hoje me sinto abraçado.
Quando pousei na África imaginei me reconhecer em religiosidade, costumes e gastronomia. Como bom baiano de Salvador, a ideia de legitimar minhas maneiras me excitava e saltava aos olhos.
(+1) Choque de realidade.
Talvez reflitamos pouco sobre os impactos da colonização em nossa cultura e nas culturas diversas. A miscigenação dada a partir das ocupações impacta diretamente na forma de agir e pensar dos povos, construindo uma grande colcha de retalhos própria, única e exclusiva.
Diferente de qualquer possível frustração, experienciar isso me deixou ainda mais curioso e ávido para entender motivos e formas de pensar. Comecei a “puxar assunto” em qualquer oportunidade para entender sobre política, emprego, costumes, hábitos, expectativas, visões, sensações, história, curiosidades e particularidades. Se qualquer pessoa me cede um pouco de ousadia, eu já quero saber sobre a sua história de vida.
Enquanto uns me falam sobre a melhor safra do Chenin blanc, outro me conta sobre as regiões vizinhas que comem – entre tantos itens diferentes para nós – gatos e cachorros. Enquanto alguns compartilham suas vivências europeias, outros me contam sobre a guerra vizinha em curso e os melhores métodos de sobrevivência. Enquanto eu vivo entre o português e o inglês, Renata – moçambicana responsável pela limpeza da minha hospedagem, fala 5 idiomas fluentemente.
Fato é que, independente do meu repertório e da minha formação cultural, não me cabe julgar nada. Lembro quando fui comprar algumas lembranças e coisas para minha casa no Brasil e questionei sobre a matéria prima usada: de couro a ossos, incluindo ovos, peles, penas e especificidades. O meu desconforto era a ideia de ter animais sacrificados para produção de utensílios. Não é assim que funciona. Ouvi de algumas pessoas nativas sobre o quanto valorizam TUDO o que vem dos animais, ou seja, nada se desperdiça. O que não se pode comer, torna-se algo com algum valor comercial, e é assim que eles geram economia de oportunidade e experimentam uma sensação nobre de respeito pelo sacrifício.
Entre tantos aprendizados que me ensinam sobre ser cidadão, indivíduo e brasileiro – inclusive um status que amo, o mais impactante foi o frequente questionamento sobre a minha língua de origem. Com a África do Sul e as suas 11 línguas, assim como Moçambique e as suas 42, me vi sem resposta ao ser questionado sobre qual idioma falamos além da língua do colonizador. Nunca pensei sobre isso, mas me senti diversas vezes ainda mais pobre, carente e órfão, uma vez que todos eles falam ao menos uma língua de origem mais a língua do colonizador.
Seja pela forma como as pessoas se adaptam às suas realidades, pela influência de religiões tão diferentes para nós ou pelos sonhos que acompanham alguns grupos, o fato é que mergulhar na vida real das pessoas em qualquer lugar do mundo – seja ela um bairro da sua cidade, o interior do seu estado ou a capital de uma grande nação, nos oferece a oportunidade de entender o quão pequenas são as nossas verdades e o quanto a felicidade é somente uma questão de expectativas e subjetividade.
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Rodrigo Almeida
Colunista
Relações Públicas, Mestre em Gestão e Tecnologia Industrial, Professor Universitário e Diretor da agência CRIATIVOS.
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