A delicadeza do desemprego
Um amigo virtual pede ajuda na sua recolocação profissional: “Prezada Karin, peço muito a sua ajuda nesse momento delicado…”. Confesso que o advérbio “muito” me estremeceu. Mas o que me aturdiu mesmo foi o que vi adiante no seu currículo – “Doutor pelo ITA” (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).
Lembrei-me de quantas vezes escutei: “Nossa! Seu pai se formou pelo ITA. Deve ser um gênio”, e do quanto esse fato repercutiu em minha vida – ora por ter tido uma trajetória segura em função do que esse feito proporcionou à nossa família, ora por ter assimilado, desde cedo, a importância de me empenhar na busca do conhecimento.
Receber um pedido de ajuda daquele que até então supunha blindado academicamente das intempéries do mercado, me fez sentir nítida e intimamente a dramaticidade do quadro que compõe a crise na qual o País está mergulhado.
Se é senso comum que a contração da economia gera impactos sobre o retraimento do mercado de trabalho em relação aos de menor escolaridade, o desemprego de trabalhadores qualificados acrescenta uma nova dimensão aos problemas sociais que já marcam há muito o Brasil, com impactos subjetivos causadores de intenso sofrimento psíquico.
Para estes, o desemprego, que nestas circunstâncias deveria ser introjetado como malogro social e coletivo, remete a uma aflitiva sensação de fracasso pessoal. Viviane Forrester, no livro “O horror econômico”, descreve com maestria esse sentimento “porque cada um então se crê (é encorajado a crer-se) dono falido de seu próprio destino, quando não passou de um número colocado pelo acaso numa estatística”. O fato é que em uma sociedade na qual a nossa identidade se funde e confunde com o nosso papel produtivo, o desemprego é uma ameaça significativa à nossa formação identitária.
Importante lembrar que a relação entre fracasso e desemprego não é ingênita e foi moral e socialmente construída ao longo dos séculos, como antítese ao útil reconhecimento social obtido por cidadãos no desempenho de funções basilares ao fluxo do Capitalismo. Preocupa, no entanto, os abalos significativos na desestruturação do sujeito contemporâneo, provocados por esta vigorosa atribuição moral.
E para meu amigo virtual, que me contava da sua exaustão na busca por sua recolocação, revelando o sentimento de fracasso, impotência e frustração, enderecei, também impotente, na esperança de levar um sopro de qualquer coisa, as salvadoras e lúcidas palavras de Henry Ford, proferidas na crise em 1932: “A terra! É lá que estão nossas raízes. Nenhum seguro-desemprego pode se comparar à aliança entre um homem e seu pedaço de terra” – que visivelmente emocionado respondeu: “Vou fincar raiz no meu pedaço de chão, aquele que não se adquire com moedas, para não esquecer quem sou”.
Isso, meu amigo. O impiedoso mercado e suas leis já nos roubam por demais a paz para que deixemos que nos roubem a alma também.
(Publicado originalmente no Jornal A Tarde)
Karin Koshima
karin@recomendapesquisas.com.br
Karin Koshima
Colunista
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