Ainda é possível escolher
Estamos vivendo em um mundo acelerado. Cientificamente falando há o registro que a rotação do planeta, em função de pequena mudança do eixo da Terra, tem feito com que essa velocidade de rotação e translação aumente um pouco, mas a aceleração mesmo está se dando pelo avanço tecnológico que impõe novos e sucessivos paradigmas possibilitando fantásticos avanços na ciência e em vários campos.
Por outro lado, o que predestina o ser humano como a espécie evolutiva na existência humana, traz também um crescente e assustador cenário de degradação e desestruturação das bases essenciais do convívio sustentável e civilizatório.
Hoje tememos o sucateamento da inteligência humana em função da criação da Inteligência Artificial. Vivemos a era da abundância das informações e do acesso ao conhecimento e por outro lado estamos vivenciando um enorme retrocesso nas relações entre as pessoas, as nações e consequentemente o planeta.
O campo semeado por tão avançado conhecimento confirma teorias e traz novas revelações que, até talvez, sequer estejamos preparados para absorvê-las. É esse mesmo mundo novo que retrocede a humanidade ao tempo da Idade Média onde o terror, o medo, a intolerância e o ódio se espalham. Estamos semeando rápido a tecnologia e não semeando valores e humanidades. Assistimos a escalada das guerras, a iminência de uma Terceira Guerra Mundial catastrófica; convivemos com o retorno ao mapa da fome e do desalento; a corrupção endêmica que alveja a saúde moral das instituições que deveriam ser o depósito maior e soberano de nossas confianças; vemos a banalização da maldade; a deturpação mental acometendo nossas crianças e jovens; vemos adultos focados na ode ao corpo, na (des) harmonização facial e no distanciamento das responsabilidades. Estamos desarmonizados como indivíduos e como cidadãos.
A tecnologia permite que todas as nossas ações (ou inações) sejam transformadas em dados. Somos lidos como rótulos de um QR Code. Tudo está filmado, registrado e rastreado e nós somos os dados.
Infelizmente, o que deveria ser rejeitado veementemente é vorazmente consumido pelas pessoas: as notícias e informações (fakes ou não) que escancaram a violência humana e a deturpação dos serviços das instituições. O apodrecimento social é conteúdo que movimenta audiências gerando então monetização.
Na mídia, nas redes sociais e/ou nos inúmeros possíveis meios de acesso aos conteúdos está difícil distinguir o que é verdadeiro ou falso; o que é manipulação ou oferta para opinião. A tecnologia é meio. A mídia é meio. A conexão total e viciante aos assuntos mórbidos é moda.
Estamos virtualizados num mundo que inexiste ou estamos num mundo que existe e estamos aprisionados confinados ao bombardeio de notícias e exposições das barbáries humanas, espetacularizadas e, então pelo medo, vemos tudo isso e desejamos “fugir”.
Ouço: “é o que o público quer”; “gosto de ver isso porque é a verdade e mostra a cara de quem fez”; “no meu bairro é assim mesmo”; “olha fulano de tal que é filho de tal pessoa….vizinho nosso…”
Armas, mortes, corpos e sangue. Todo dia sem refresco. Agressões contra mulheres, homossexuais, religiões, um torcedor de outro time, um professor ou mesmo um pobre e desgraçado morador em condições de rua. Tudo é mostrado de forma crua, repetidamente e narrado por vozes salvadoras e indignadas.
Para quem não sabe, bandidos filmados e pegos em operações policiais viram celebridades em suas bolhas. Eles riem. A mídia não cumpre seu papel essencial ao banalizar e espetacularizar o mal. Não é fácil fazer a inflexão dessa rota pois, de fato, “gera audiência” e atrai anunciantes. Como assim? Atrai quem financia a Ode ao conteúdo do mal? Empresas, empresários que compram apenas audiência não estão vendo que essa é uma forma de degradar ainda mais a sociedade.
É preciso dar um basta. Estamos reféns desse roteiro do ódio, da violência e da “desnatureza”. Chega de influencers do nada existencial. É preciso mudar e quem tem propósito verdadeiro deve apoiar e se irmanar na inflexão necessária dessa rota destrutiva. Os líderes de audiências estão reféns das narrativas do mal. A sociedade está esgotada, não aceita mais. Ninguém aguenta mais e é impossível projetar o limite a que se chegará pela audiência.
O dever chama: parar enquanto ainda há chance. A mudança dos editoriais nacionais no dia fatídico da creche de Santa Catarina mostrou que a mídia potencializa e gera gatilhos. Cobrar e relatar a verdade, ainda que brutal, é dever da imprensa. Celebrizar a delinquência e o deliquente é irresponsável. Que ao menos haja temperança promovendo o Bem, os bons exemplos e servindo melhor nossa carente sociedade. Mídia é meio e não “fim”. Apesar de tudo, ainda é você, cidadão, que escolhe o que ver, ler, ouvir e assistir. Se o mal entra em sua casa por conteúdos de baixo calão e que incitam o consumo de drogas, banalizam o ato sexual e colocam as mulheres em posições de vulgaridade e inferioridade, mesmo com ampla oferta de opções essa ainda é uma opção sua. Ainda é possível escolher.
Por uma cultura de paz e de melhores escolhas pelo caminho do bem.
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João Gomes
Colunista
Superintendente do Grupo Aratu de Comunicação
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