Esperança, esperar, esperançar
Já dizia o filósofo Espinosa que a esperança não é o contrário do medo, eles são dois afetos que caminham de mãos dadas, não há medo sem esperança e nem esperança sem medo.
O medo é uma expectativa de que um mal futuro ocorra, a esperança é a expectativa de que um bem futuro venha acontecer. Quem projeta o bem no futuro, teme que ele possa não acontecer, portanto é impossível esperar sem medo.
Por outro lado, a confiança não requer expectativa, quem confia não espera que não suceda o que almeja. Nada do que ocorrer vai lhe retirar a confiança, a confiança não está atrelada à expectativa.
São reflexões necessárias em tempos de escassez de esperança e ascensão do medo. A confiança no futuro para muita gente minguou. A realidade nua e crua, escancarada na vertigem das imagens, mutilou expectativas. A esperança no futuro passou a ser movida a tarja preta, a preleções motivacionais de autoajuda ou por promessas sedutoras de pastores.
Para muita gente, ao contrário, a vida atual é muito melhor, basta olhar em volta e reconhecer o bem que a ciência e a tecnologia trouxeram. Graças a elas futuramente haverá maior disponibilidade de alimentos, de renda e já gozamos de maior expectativa de vida, controle e prevenção de doenças, a mortalidade infantil e violência estão em queda – em todo o mundo.
É o ponto de vista presente no livro O otimista racional do jornalista científico Matt Ridley. Ele garante que há muitos motivos para ser otimista com relação aos seres humanos e cita exemplos que vão da idade da pedra até a era da internet com o intuito de mostrar que, graças à incessante capacidade humana para a inovação, o século XXI verá a prosperidade das sociedades e a biodiversidade natural aumentadas.
Esta visão ufanista contrasta com as distopias da ficção científica. Literatura e cinema costumam projetar cenários apocalípticos sobre o futuro. Blade runner, 2001: uma Odisseia no espaço, Matrix, Minority report, etc., mostram uma terra arrasada e uma humanidade perplexa e culpada por ter sido tão ingênua e ter dado tanta confiança à tecnologia e às máquinas, antes responsáveis pelo futuro.
Também na contramão do futurismo ufanista é flagrante o desespero de executivos de projetos de órgãos das Nações Unidas e entidades coligadas, responsáveis pela gestão das centenas de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e suas 169 metas, confiadas à ação conjunta global. Impera entre eles o sentimento de fracasso e frustração.
O que esperar em termos de erradicação da pobreza, de acesso à água limpa, ao saneamento básico? E as tragédias ambientais com a terríveis implicações na vida das populações? O que esperar diante do enfraquecimento das políticas de saúde e bem-estar, igualdade de gênero, redução das desigualdades? Os dados sobre a vida nos oceanos são desesperadores.
Esperança sem otimismo é o título do antilivro de autoajuda do prestigiado filósofo britânico Terry Eagleton, curiosamente um marxista cristão. Ele propõe a esperança inteligente como melhor instrumento para afrontar o futuro sem subestimar o presente, nem banalizar o passado.
A indústria do pensamento, tão onipresente e atuante no universo empresarial, substituiu a ideia de esperança por um termo mais fácil de manejar: o otimismo, que projeta cenários futuros sem crítica e com as cores mágicas de ideologia de autoajuda. A esperança pode caminhar sem a prótese do otimismo.
O ceticismo da esperança brota da insatisfação compartilhada, diz Eagleton, se inspirando em Walter Benjamin para quem pessimismo e desconfiança estão na base da esperança. Benjamin defende que refutar o otimismo é condição sine qua non para se construir os fundamentos de uma nova sociedade.
Nietzsche repudiava veementemente a esperança, a seu ver uma armadilha, miragem e ilusão. O pior dos males, porque faz com que não enfrentemos todos os outros males. Em um aforismo sobre a Caixa de Pandora ele esclarece seu argumento.
Reza o mito que Pandora abriu uma caixa onde estavam aprisionados bons e maus espíritos, males e desgraças. Escaparam e passaram a atormentar o mundo com guerras, pestes, fome e miséria. A mando de Zeus, Pandora, ao fechar a caixa, viu que sobrava um dom ali dentro era a Esperança, suplicando para sair e se alojar nos corações humanos. Dito e feito.
Assim, diz Nietzsche, Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: a esperança na verdade é o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens.
Em Copenhague, na Dinamarca do começo do século 19, o teólogo Soren Kierkgaard, um dos pais do existencialismo, desmascarou as três estratégias mais usadas para se fugir do alcance do radar da angústia e da desesperança.
A primeira é a aposta na overdose de vivências sensoriais, na vida vertiginosa e na fricção com os prazeres. A segunda, a vida intelectual e introspectiva, vivida no pensamento, no senso de dever e na virtude. A terceira, tão em voga ultimamente, o pertencimento a uma comunidade doutrinária e a uma vida religiosa. Nenhuma das três impedia ao coração humano de se desesperar.
Não adianta navegar pelos 7 mares das sensações estéticas, nem se arvorar à perfeição ética e nem projetar solidez nos castelos de cartas das comunidades de fé. A angústia dará o xeque mate em quem pretender se alienar da condição de humanos, demasiadamente humanos.
Há esperança para quem dá o salto no escuro, no paradoxo e no absurdo da existência, no mergulho sem garantias racionais, reconhecendo que a desesperança consiste numa de nossas substâncias, diz o pensador dinamarquês.
Lembrei de uma invenção poética do admirado educador Paulo Freire. Ele desejou um verbo próprio para a esperança, um verbo que fosse além do verbo esperar. A seu ver, esperar não remetia à esperança, mas à espera e espera não inspira ação e movimento. Criou o verbo esperançar que traz impulso, convida a se levantar, ir atrás, construir e não desistir de criar novos laços e modos de viver. Vamos.
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Carlos Linhares
Colunista
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