Hora de “chamar a responsabilidade”
Vemos em curso a lógica da campanha transplantada para a lógica do governo. Com seus tweets e declarações, Bolsonaro mantém o país dividido, jogando para a sua torcida. Como estratégia para salvaguardar acesa a dinâmica da polarização, tem sido bastante eficiente. Afinal, a comunicação orientada às redes sociais tem por base mobilizar afetos, mantendo assim, o seu público (fiéis) excitado permanentemente e comportando-se como se em campanha ainda estivéssemos. A formação de opinião navega na troca agressiva de acusações sustentada por discursos que dispensam fatos, em meio a um bombardeio de versões desencontradas de assuntos diversos, onde qualquer dissenso, surpreendentemente, parece implicar na anuência com o seu oposto, atestando a superficialidade do pensamento vigente. É a tendência infantil de não admitirmos ser contrariados. É a pós- verdade se impondo através desses receptores impermeáveis a tudo que os contradizem.
A atitude do Presidente, que deveria servir de modelo para que o padrão de relacionamento entre os brasileiros voltasse a um equilíbrio, só atiça as torcidas. Deveria ser sua missão, juntar os cacos de uma nação que extrapolou os limites do bom senso no empenho de elegê-lo ou de não elegê-lo. Já está mais do que na hora dele entender que a campanha acabou e deveria ser lembrada como um dia de clássico no futebol, em que não se economizou o pior palavreado e se provocou o adversário sem dó, e que agora, jogo terminado, tendo perdido ou ganhado nosso time, nos toca ganhar a vida. É hora, portanto, de abrandar o tom que acirra adversários e abraçar o regulamento.
Precisamos de um Presidente adulto, focado em promover estabilidade e que compreenda que seu comportamento, como estratégia de governabilidade, racha a nação e desvia-o do foco ao ter que permanentemente refutar crises fabricadas por polêmicas declarações, quando deveria estar ocupado em estimular pautas positivas.
Quanto a nós, importante tentar entender a encrenca na qual nos metemos com esse diálogo de surdos. A questão agora não é quem errou mais, mas encarar as contradições de ambos os lados para romper com essa espécie de alucinação coletiva. Sem esse necessário desencanto, não conseguiremos atingir o amadurecimento político para suplantar os obstáculos.
Acabou o Fla x Flu, acabou o Ba-Vi, acabou o Grenal. Daqui pra frente, a catimba, a cera técnica, o gol com a mão, a entrada faltosa, a pressão no juiz e o gesto malcriado pra torcida adversária já não têm mais lugar. Agora, Bolsonaro e seu time precisam começar a jogar pelos vinte e dois em campo e pelos torcedores do estádio inteiro. E, como dizem os craques “chamar a responsabilidade”. E quanto a nós, cabe abrir espaço para o divergente. Afinal, quem só corre atrás do rabo não avança para frente.
Karin Koshima
karin@recomendapesquisas.com.br
(Publicado originalmente no Jornal A Tarde)
Karin Koshima
Colunista
Se formou em psicologia na UFBA, é psicanalista com especialização em Psicologia pela USP (São Paulo), também Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia.
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