O consumidor real: você sabe com quem está falando?
Pensamos uma coisa e fazemos outra, desejamos o que não precisamos, fugimos do que desejamos, acumulamos coisas e descartamos pessoas. É nesse contraditório mundo intrapsíquico que se produzem os comportamentos, inclusive os de compra.
Em tal conjunção, como definir o consumidor real e aquilo que pode impactá-lo, considerando, ainda, que vivemos em um mundo em que estão disponíveis inúmeras combinações de possibilidades para a aquisição de um produto?
As distintas formas de consumir produzem uma base de consumidores tão diversificada que as marcas já não podem contar com a antes previsível massa de comportamentos homogêneos. E buscam com avidez uma saída através do aprofundamento do conhecimento sobre as inúmeras gerações de A a Z, para, por meio da particularização, desenvolverem estratégias mais assertivas a cada consumidor. No entanto, ao focar excessivamente nesta subdivisão, muitas vezes deixam escapar a perspectiva do que realmente une a todos nós: a humanidade – desperdiçando possibilidades de tocar corações, mentes e bolsos com maior eficácia.
O produto do nosso trabalho com pesquisas tem dado sustentação a gestores de marcas na “ativação da empatia” – que se estabelece quando a marca se revela capaz de reconhecer sentimentos do consumidor – aprimorando assim os meios de abordagem. Ao terem acesso ao que os consumidores pensam e sentem, as marcas conseguem alinhar seu posicionamento de modo a que estes percebam seus sentimentos ou aspectos da sua personalidade refletidos nelas, abrindo espaço para a vinculação e fidelização. Daí ser estratégico que o discurso da marca esteja ancorado em aspectos que reflitam os sentimentos e comportamentos do consumidor. É neste ponto que a pesquisa de mercado entra: captando os pensamentos circulantes e fornecendo elementos para que as marcas se repensem, adaptem e, assim, se posicionem de acordo com o que reverbera na população.
Esse movimento dos consumidores, talvez, tenha se tornado mais acentuado, em função da sensação de despersonalização que a globalização produz, fazendo com que as pessoas cada vez mais busquem afirmar a sua importância como indivíduos e optem por marcas nas quais se reconheçam. Não é à toa que a publicidade aspiracional vem perdendo relevância, dando espaço para uma comunicação de proximidade, de comunhão de significados e de realismo, revelados pela cada vez mais intensa busca por “marcas vivas” e que emanem personalidade. Na produção do comportamento de compra, não basta mais saber “o quê”, mas, sim, o “porquê” se deve aceitar o que lhe é ofertado. Testes com consumidores confirmam essa tese e demonstram que abordar temas sensíveis ao público é um modo eficaz para humanizar as marcas e aproximá-las do consumidor.
No momento em que se tem a pretensão ingênua de ativar os desejos dos consumidores apenas a partir de algoritmos, achar a medida exata para a sua fidelização passa por tangibilizar propósitos, pavimentando o caminho para a percepção do significado da marca para o ser humano por trás do consumidor. À propaganda caberá posicionar as marcas não apenas como sinônimos de produtos, mas como conceitos capazes de representar a expressão verdadeira de sentimentos e valores genuínos.
Karin Koshima
karin@recomendapesquisas.com.br
(Texto adaptado do artigo publicado originalmente no Jornal A Tarde)

Karin Koshima
Colunista
Diretora Executiva da Recomenda Pesquisas & Consultoria – especialista no comportamento do consumidor, eleitor e posicionamento de marcas. Às informações derivadas das pesquisas, agrega consultoria em planejamento, estratégia e marketing.
Se formou em psicologia na UFBA, é psicanalista com especialização em Psicologia pela USP (São Paulo), também Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia.
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