O militante substituiu o eleitor
Dá pra dizer que, em tempos de normalidade, a relação da sociedade com os governos sempre foi meio “ele lá, eu aqui”. Isto é, o vínculo do voto, de um modo geral, esteve limitado à delegação do poder a alguém capaz de gerar alguma expectativa (tradicionalmente, desconfiada) do cumprimento de certas promessas de campanha. Seguida por uma natural e latente disposição para a crítica. Afinal, está instalado em nossa cultura que um governo dificilmente consegue dar conta da maior parte das demandas de seus eleitores.
E, assim se ia levando a vida, ora compreendendo, ora duvidando, ora reclamando… Até o próximo pleito.
Da eleição de Lula pra cá, esse panorama teve uma mudança dramática. O eleitor, tradicional descrente na política, resolve apostar na pessoa de um político. E o populismo, adormecido desde Getúlio Vargas, renasce com força. É verdade que Fernando Collor tentou ressuscitá-lo antes, mas não teve sucesso. Lula, pelo contrário, soube alimentar a criatura com eficiência, mantê-la viva e ativa por dois governos e ainda enfiá-la goela abaixo de todos, quando da eleição e da reeleição de Dilma. Com isso, o tanto de racionalidade que, mesmo muitas vezes disfarçada de esperança, conduzia as decisões dos eleitores, foi sendo substituída por um ascendente e raivoso exercício de militância. Por mais que se queira atribuir a Bolsonaro a implantação de um permanente estado de confronto, o atual presidente apenas inverteu a mão do “nós x eles”, estimulado a partir de 2002. Uma militância aguerrida levou Lula ao poder e depois a Dilma. Uma militância aguerrida elegeu Bolsonaro, aproveitando que Dilma, embora tenha herdado a presidência, esteve muito longe de herdar o “culto à personalidade” dedicado a Lula. Guardadas as devidas proporções e circunstâncias, é mais ou menos o que ocorreu entre Chávez e Maduro, na Venezuela. A diferença é que Maduro resolveu ficar no poder na marra, enquanto Dilma foi, digamos, retirada do poder na marra. Com consequências evidentemente diferentes aqui e lá. A imposição de Maduro levou a Venezuela a uma profunda deterioração da democracia; no Brasil o eleitor teve a oportunidade e resolveu, democraticamente, trocar de populista. Por uma razão relativamente simples: em 2018, Dilma, como Temer, já não significavam nada no imaginário popular e o candidato natural à vitória – Lula – estava fora de combate. O que sobrou? O populista da vez. Se Bolsonaro era de direita ou de esquerda, pouco importou. Falar em voto ideológico no Brasil é piada. A questão que fica é se há alguma chance de, em 2020, ser resgatada alguma racionalidade eleitoral anterior a 2002 ou se vamos continuar instrumentalizando o fanatismo cego insuflado no eleitor brasileiro.
Karin Koshima
karin@recomendapesquisas.com.br

Karin Koshima
Colunista
Não aperte a minha mente: saúde mental em tempo de urgência
O tempo está passando muito veloz, a velocidade é o novo valor, virou uma commodity, a regra do quanto mais rápido melhor se consolidou. Não apenas comemos fast food, como também escutamos música e recados no WhatsApp de forma acelerada. E há quem assista filmes em...
Economia da Atenção: como o universo das telas deteriora nossa saúde mental
Repare que a dama do meme que ilustra este texto mal consegue sustentar os coraçõezinhos vermelhos. A Deusa dos likes e das curtidas expressa contentamento e ar de triunfo, afinal recebeu o reconhecimento esperado e capturou a atenção de quem a curtiu. Ela não faz...
Os saveiros e a aceleração social do tempo
Um dos produtos mais misteriosos que os mestres de saveiros transportavam nos barcos ancorados no Porto da Barra de minha infância era o Tempo. Traziam todo tipo de mercadoria para abastecer a feira livre do bairro, vindos das mais longínquas praias, muito além da...
Pensamento crítico e inteligência artificial
Era o Reino das Matemáticas, no curso de Tecnologia da Informação. Foram vários semestres ao longo de quatro anos, diferentes turmas, mas em cada uma fui recebido com um misto de cordialidade e desconfiança. Temiam que a disciplina de Psicologia fosse perda de tempo...
Inteligência Artificial e Ética: como retornar os dinossauros ao Jurassic Park?
No primeiro filme da série Jurassic Park (Steven Spielberg, 1993) três cientistas – dois paleontólogos e um matemático – recebem autorização para visitar a ilha secreta de Nublar onde se desenvolvia um experimento de segurança máxima, sob controle do Governo...
A solidão é fera, a solidão devora
...é a amiga das horas, prima-irmã do tempo, faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso em nossos corações. Não tem IA nem Chat GPT que consigam criar versos tão precisos para expressar a dor da solidão como estes do poeta Alceu Valença, salve! Há...
junte-se ao mercado