O que é preciso saber sobre uso de IA na propaganda eleitoral em 2024 

mar/2024

Em todo ano com eleições, é comum que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lance normativas atualizando ou definindo as regras de tudo que concerne o período eleitoral. Entre os temas que são regrados, está o da propaganda eleitoral.  

A Resolução nº 23.732/2024 atualiza as regras da propaganda eleitoral para o pleito deste ano. Chama atenção que todo o texto trata sobre aspectos da comunicação digital. Mais especificamente, percebe-se que o principal motivador do texto feito pelo Tribunal é gerenciar riscos. Mais especificamente, o risco do impacto da desinformação nas eleições, risco majorado com o advento da Inteligência Artificial Generativa. 

Vale ressaltar que outros pontos não são endereçados no texto. Por exemplo, não há nenhum parágrafo que busque apresentar regras para tornar a competitividade mais equânime entre os candidatos ou que busque tornar acessível à propaganda eleitoral instrumentos de tecnológicos para impactar o eleitor e envolvê-lo no processo eleitoral. 

Esta Resolução tem uma prioridade clara: coibir o impacto negativo das fake news e evitar que o uso de Inteligência Artificial crie danos permanentes às eleições. Os contextos político, tecnológico e social global justificam essa preocupação: em diversos países do mundo a democracia está sendo atacada pelo discurso de ódio e pela desinformação, e os atacantes aprenderam a usar as plataformas e recursos de tecnologia recentes para ampliar o seu impacto negativo. 

Entendido isso, o que um(a) publicitário(a) precisa saber sobre as regras para uso de IA na propaganda eleitoral? Primeiro, o texto da Resolução é muito específico no que é permitido, e não tanto no que é proibido.  

É permitido usar recursos de IA para: 

  • ajustes destinados a melhorar a qualidade de imagem ou de som; 
  • produção de elementos gráficos de identidade visual, vinhetas e logomarcas;
  • a recursos de marketing de uso costumeiro em campanhas, como a montagem de imagens em que pessoas candidatas e apoiadoras aparentam figurar em registro fotográfico único utilizado na confecção de material impresso e digital de propaganda. 

Para os usos que não os listados acima, é obrigatório que seja informado que o conteúdo foi manipulado com IA e “qual tecnologia” foi utilizada. O texto não é específico sobre como essa informação deve ser apresentada, ficando para o candidato essa definição. Apenas são dadas opções: marca d’água, aviso legal no final de uma peça de audio e video etc. Mas não tem um padrão do texto a ser usado, nem o detalhamento da tecnologia usada.  

É terminantemente vedado o uso de Inteligência Artificial em chatbots que façam parecer uma interação direta com outra pessoa, inclusive candidato. Ou seja, Criar um avatar online para que o eleitor possa “conversar” com o candidato é proibido. 

É textualmente proibido usar IA para criar conteúdo que difunda fatos inverídicos ou descontextualizados. Na verdade, essa proibição é geral: a propaganda eleitoral não pode difundir fatos inverídicos ou descontextualizados com ou sem uso de Inteligência Artificial. 

Também é expressamente proibido o uso de deep fakes, entendidas pelo texto como ” conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente”. 

Em resumo, é permitido o uso de IA na propaganda eleitoral. Livremente para usos tradicionais e de aprimoramento, mas com a obrigação de indicar que se usou IA para usos mais refinados. Por exemplo, um vídeo ou uma foto inteiramente criada por IA deve ter a informação de que se trata de um conteúdo sintético. Há uma zona cinzenta, especialmente para conteúdos para redes sociais e para ajustes em que se “melhora” a foto incluindo ou excluindo elementos. Por exemplo, numa foto de um comício, retirar uma pessoa da foto, preencher espaços vazios com pessoas criadas por IA, entre outros. Estes são usos que um(a) profissional de publicidade entenderia como ajuste de qualidade, mas que o Tribunal pode entender como criação de conteúdo inverídico… 

Estas são as primeiras eleições em que as aplicações de Inteligência Artificial estão maduras para a publicidade. Assim como os profissionais da área experimentarão como usá-la da melhor maneira, a justiça eleitoral aprenderá enquanto julga quais usos devem ser proibidos ou permitidos. 

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O conteúdo e opinião publicados neste artigo são de inteira responsabilidade do autor ou autora.

Lucas Reis

Lucas Reis

Colunista

Presidente da ABMP, CEO da Zygon e Doutor em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia

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