Os cães ladram e a caravana não passa
Há um ditado antigo que diz que “em casa que não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Sabedoria para dizer que na falta de atendimento ao básico, sobra tempo para cada um expor suas frustrações, de preferência acusando ao outro pelo infortúnio. O Brasil parece viver a síndrome da “casa que não tem pão”. Com 13 milhões de desempregados, inflação com tendência de alta e previsão do PIB mais uma vez revista para baixo é o ambiente perfeito para que atores da política troquem acusações, a fim de eximir-se de suas reais reponsabilidades com a situação. A troca de má-criações entre filho e guru do presidente e seu vice é um exemplo do que acontece quando as cabeças não estão ocupadas com o que deveriam. Impressiona o fato de o governo ter hoje uma oposição, ainda que barulhenta, com pouca capacidade de criar maiores problemas, e mesmo assim ser capaz da proeza de enredar-se no engalfinhamento dos seus.
Historicamente, todo mandatário eleito, chega ao poder através de algum tipo de composição política, seja por afinidade às suas ideias ou por afinidade com aquilo a que combate. A vontade de derrotar o PT juntou o saco de gatos com que Bolsonaro tem que lidar hoje. Era de se supor alguma dificuldade em acomodar perfis tão diferentes. Mas era de se supor também que exatamente o núcleo mais próximo – filhos, guru e vice – seria aquele que mais colaboraria para tornar a tarefa administrável. Está acontecendo exatamente o contrário. O que é, enfim, que impede esse governo de parar em pé e, finalmente, tomar rumo? Inexperiência? Vaidades? Desconfianças? Despreparo? O fato é que tudo o que Bolsonaro não precisava era de parceiros dedicados a fornecer material com tanto poder de combustão para formadores de opinião ávidos em ver o circo pegar fogo. Se até hoje seu governo vem sendo marcado por afirmações que mais provocam e irritam do que constroem confiança, seria oportuna uma atitude que demonstrasse que nada está acima do interesse maior do País, sinalizando um comando verdadeiro. Deveria, sim, deixar claro, publicamente, aos envolvidos nessas pendengas que eles estão definitivamente dispensados de suas “contribuições”. Até porque, tirante o laço sanguíneo de um lado, o respeito a uma patente de outro e certa vaidade pelo reconhecimento de alguém tomado por alguns como sumidade intelectual, não parece haver mais nada de consistente que justifique Bolsonaro continuar refém dessas pessoas. Uma iniciativa dessa natureza poria muita gente com as barbas de molho. Afinal, quem se dispõe, em nome da ordem e do avanço, a ações que vão além das preferências pessoais, passa a ser potencialmente merecedor do mais valioso prêmio que um governante pode almejar: o respeito.
Karin Koshima
karin@recomendapesquisas.com.br
(Publicado originalmente no Jornal A Tarde)

Karin Koshima
Colunista
Se formou em psicologia na UFBA, é psicanalista com especialização em Psicologia pela USP (São Paulo), também Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia.
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