Porque Lutamos todos os dias

mar/2024

O 8 de março existe porque a luta não acabou e é diária. Existe por todas as mulheres que foram silenciadas. Porque ainda somos desacreditadas quando sofremos violência doméstica, sexual, financeira e psicológica. Porque ainda sofremos com a hipersexualização que vivemos desde criança e que a comunicação muitas vezes ainda insiste em fazer. Porque a nossa ausência nos espaços de poder ainda permite que a comunicação não seja inclusiva. Porque a maioria das mulheres sofre algum tipo de violência machista. Porque as piadas da criação ainda continuam sendo machistas e homofóbicas. Porque ainda somos vítimas de feminicídios e as campanhas educativas de utilidade pública não são prioridades dos gestores da comunicação. Porque ainda temos medo de dizer que estamos grávidas em nossos empregos, porque, quando não somos demitidas, a nossa chance de ascender profissionalmente passa a ser quase 0% e saber dessa verdade nos adoece. Porque ainda em muitas ideias de negócios e estratégias de comunicação quem leva o crédito e o nome na ficha técnica são os homens. Porque ainda quando pensamos em uma fonte para uma matéria jornalística lembramos apenas do nome dos homens e, se a matéria for para falar de algo relacionado a ciências, matemática ou engenharia, a situação fica pior. Porque mesmo quando fazemos o trabalho seguimos recebendo menos que os homens. Porque ainda existem muitos que pensam que podem decidir sobre o nosso corpo, sobre nossas vontades e até sobre nossas roupas. Porque o mundo da comunicação mudou, mas a Bahia insiste em não querer mudar. Porque ainda temos postagens com foto de apenas homens brancos, “de bem” e bem-nascidos, em que a legenda diz que a reunião foi boa e que estão todos na luta contra a Dengue. Nós, mulheres, também estamos na luta contra a Dengue e na luta por visibilidade e espaço nas mesas importantes da comunicação. E é sempre bom lembrar que, quando alguém adoece em nossa família, cabe a nós cuidar, na maioria das vezes (ou quase sempre). Inclusive, é nessa hora, quando informamos que não vamos conseguir ir a uma reunião ou ao escritório, que o machismo se manifesta em uma de suas formas mais cruel: depois sabemos que fulano ou beltrano diz que o filho dela sempre está doente. E escutar isso nos causa raiva. Nessa hora, todos os bem-estudados esquecem que esse conceito de cuidado foi uma construção social para deixar a mulher dentro de casa, mas ele vai fazer post nas redes e ganhar muitos likes, dizendo que é aliado da causa feminista (esse post garante a ele a passabilidade de trabalhar com todos os lados da moeda). Porque ainda contamos nos dedos de uma mão as mulheres que são as empresárias das grandes agências de publicidade do nosso estado. Nem vou entrar na questão se essas mulheres são pardas ou negras porque é capaz de nem ter 1 mão pra contar. Porque ainda faltam mais de um século para nós alcançarmos a paridade de gênero no mundo corporativo e na política (Insper 2020). Porque, apesar de nós da comunicação amarmos uma pesquisa para nossos clientes, nos recusamos a tomar a decisão de mapear nosso mercado e entender sobre quem são as mulheres da comunicação. Para não perder o meme e o texto ficar legal, bastava querer saber sobre quem somos? O que comemos? Como vivemos? Quais são nossos desejos e sonhos? Como e onde nos divertimos? Temos filhos? Fazemos terapia? Por isso, para o 8 de março de 2024, sugiro a não comemoração da data com cards rosas, ou flores mandadas como gif no seu aplicativo de mensagem preferido. Que essa sexta-feira de 2024 seja um dia para pensar sobre o direito a existir e ser respeitada, é um dia para lembrar que, nos dias atuais, ainda precisamos falar sobre a discriminação de gênero que perdura em nossas vidas e como mulher pode ser o que quiser. Acreditamos na força de sermos jornalistas, publicitárias, designers e inclusive a nova profissão que surgir nessa área, por esse motivo vamos nos manifestar da forma que sabemos bem fazer, comunicando ao nosso público-alvo, com os canais que conseguimos (nossa campanha tem um orçamento enxuto) que nada vai nos calar, nem hoje nem nunca.

Como já avisou Djamila Ribeiro: “Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la”.

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O conteúdo e opinião publicados neste artigo são de inteira responsabilidade do autor ou autora.

Mirtes Santa Rosa

Mirtes Santa Rosa

Colunista

Publicitária formada pela Ucsal, Especialista em Comunicação e Gerenciamento de Marcas pela FACOM – UFBA. É uma das idealizadoras e Hosts do Umbu Podcast e do portalumbu.com.br, CEO da Umbu Comunicação & Cultura e acredita todos os dias em comunicação inclusiva, anti racista e democrática.

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