Saudosismo que fala?

jul/2023

Já é possível entender, mesmo para quem não é tão próximo dela, que a Inteligência Artificial tem auxiliado na criação de casos muito interessantes e não deve parar por aí. Sendo utilizada por diversas áreas – da saúde à engenharia, do automobilismo ao marketing – ela pode ajudar profissionais bem intencionados como também pode sacrificar algumas frentes.

O comercial da Volkswagen deu o que falar desde seu lançamento no dia 04 de julho. Assistido por centenas de pessoas e compartilhado por grande parte delas, o dueto entre a mãe, Elis Regina, dirigindo a Kombi antiga e, sua filha Maria Rita, guiando o novo modelo da marca, agradou muita gente e também foi alvo de várias críticas. Utilizando IA para trazer Elis Regina `a “vida”, as duas cantam ´Como nossos pais´ e, de certa forma, interagem durante o comercial.

Particularmente, achei o comercial fantástico, com um enredo interessante e um storytelling bem construído como poucos têm conseguido atualmente. Eles conseguiram trazer um saudosismo que atrai muitas pessoas e os faz voltar no tempo de maneira leve e é esse o principal ponto que gostaria de discutir.

Esse saudosismo agrada uma geração que teve contato com Elis ou ao menos reconhece sua qualidade musical assim como de sua filha, mas se nos ativermos à dupla, tentar conquistar uma nova geração, pode ser algo mais complexo com essa “pegada”. Por outro lado, a qualidade da IA desenvolvida atrai outro tanto de público para o comercial e, mesmo assim, não acredito que o foco desse público, seja a compra dos carros apresentados.

Podemos discutir a questão lembrança de marca e sim, acredito nesse caminho, desde que tragam uma série de outros comerciais na mesma linha e com personagens de maior significado para as gerações mais jovens, que ainda precisam ser conquistadas pela marca.

As críticas ao comercial foram da Ditadura até o fato de deixar quem já se foi descansar em paz e, antes de ler sobre essas críticas, eu confesso que já tinha pensado nesse segundo. Quando vi o comercial, automaticamente pensei em pessoas que amo, queridas para mim e que já se foram. Pensei em como seria vê-las com vida novamente, mesmo que apenas pela IA. Esse pensamento já tinha pairado em minha mente há uns meses quando a Alexa também passou a ter a capacidade de ter sua voz configurada para refletir a voz de pessoas que já morreram. Na mesma velocidade que pensei, “despensei” nas duas ocasiões e o motivo é simples – isso afetaria fortemente minhas emoções, meu psicológico e não as traria de volta para um grande abraço ou para sentir seus cheiros.

Acredito que esse seja um ponto interessante de discussão que virá em breve e, como uma amiga de tecnologia refletiu: será que também vamos ter que deixar um termo assinado autorizando nossa imagem depois da nossa morte? Mais um assunto para LGPD!

Deixo essa reflexão e a dúvida: ao assistir o comercial, você pensou nas pessoas que se foram assim como eu?

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Erika Buzo Martins

Erika Buzo Martins

Colunista

Doutora em Administração, Especialista em Marketing e Publicitária. É entusiasta dos estudos sobre comportamento humano/consumidor, trabalha com consultoria em Desenvolvimento Humano e Marketing. É Master Trainer em Programação Neurolinguística e Coach e, além de atuar como professora universitária há mais de 18 anos, é supervisora de Marketing do curso de Administração da ESPM-SP.

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