Segredos inspiradores do Natal
Pouca gente escapa da pegada da ansiedade nas festas de final de ano. São muitas as ansiedades nesta época: fechar o semestre, passar direto, fazer balanço e prestar contas, planejamento do ano novo, decidir o destino do 13.o, comprar lembranças baratinhas de amigos secretos, se esquivar de tantas confraternizações e dos calóricos comes e bebes, arquitetar férias e encaminhar os filhos em recesso das aulas para alguma diversão. Tem até quem se preocupe com a cor da roupa íntima no Réveillon!
Já não há tanta força no apelo espiritual do Natal. O marketing abduziu os símbolos cristãos e trocou por Papai Noel que tem levado imensa vantagem sobre a figura de Jesus. A manjedoura e bela poesia franciscana contemplada nos presépios não seduz como a iluminação feérica das decorações de shoppings.
Como a Páscoa, o Natal é um dos clímax da revelação divina para os cristãos, um tema central da fé que tristemente vai se reduzindo a mero adereço infantil. Hoje, pouca gente se recorda de que estamos no tempo do Advento com seus quatro domingos e que eles antecedem a Noite Feliz. É como a expectação de Maria, grávida de esperança.
É como se houvesse um Natal sem mais necessidade de enraizamento na espiritualidade cristã. Será que ele vai se sustentar sem o reconhecimento do seu lastro maior, genuíno, o mistério da Encarnação? Como dar de costas à reflexão sobre a frase de abertura do Evangelho de São João: o Verbo se fez carne e habitou entre nós”? O que a escritura quer revelar com a afirmação de que a Palavra se transformou em “carne”? Como decifrar este mistério que marcou a história do Ocidente?
Estamos perdendo o sentido profundo, místico e simbólico da festa. Os conteúdos espirituais da data litúrgica evaporaram ao sabor das diversas sentenças de morte de Deus, da cultura secularizada, materialista e da tendência de customização da imagem de Deus, uma imagem de acordo com as demandas de cada um. Na prática, os significados da festa desapareceram na voragem do marketing e do consumismo excessivo e a data ficou oca, artificial e híbrida, feito um chester na mesa da ceia, aquela ave produzida em laboratório, inflada artificialmente para impressionar.
Para os dois evangelistas, Mateus e Lucas, o nascimento do menino Jesus foi testemunhado por pobres pastores e por desconhecidos estrangeiros vindos do Oriente, os ditos reis magos. Eles compõem a metáfora do presépio dando protagonismo a uma criança nascida na pobreza de uma manjedoura, com pais migrantes e carentes. É uma narrativa do nascimento de uma divindade muito distante da ênfase no poder.
Como repaginar as formas de celebração da festa cristã na era digital e tecnológica? Como parar para refletir sobre as dimensões espirituais numa existência ansiosa e marcada pela velocidade? Parece que a festa de Natal sofreu de uma obsolescência programada e já deu o que tinha que dar. Certamente, se formos olhar pelo ângulo da cultura do excesso e do consumo compulsivo, das compras das baratas tontas de shopping center, precisando de carregadores de sacolas para ajudar a levar o peso das compras aos carros, ele atende e muito bem ao comércio e à indústria. Mas nada de mensagem profética e constrangedora. É preciso domesticar os presépios.
E se o Natal fosse mais uma parada para a meditação e a reflexão? Tem muito nutriente inspirador na festa, mas eles não combinam com a superficialidade das cabeças e a compulsão por conectividade e introspecção. Que tal dar uma trégua ao culto na igreja da Santíssima Trindade das Mídias Digitais, a saber, Facebook, Instagram e WhatsApp?
Coleciono presépios e sempre me emociona a figura dos incríveis Três Reis Magos e seus camelos. Estes homens míticos e legendários seguiram a estrela de Belém e adivinharam um sentido e uma direção, lendo as estrelas. Levavam consigo oferendas para o Menino Jesus: ouro, incenso e mirra, símbolos mistagógicos de um cristianismo nascente.
O que você pediria aos Três Reis?
Eu pediria a eles disposição para lidar com mudanças inevitáveis e a preciosa resiliência para operar as metamorfoses da vida. Pediria para me manter com integridade na constante adaptação a cenários imprevisíveis. Pediria flexibilidade para lidar com a incerteza e coragem para transitar na turbulência.
Parece que escuto os magos me dizerem baixinho: tomar decisões num contexto ambíguo é um ato de coragem e, por que não, também de fé. O aprendizado vem da ação e, por isso, é importante estar aberto a cometer erros. E refazer as rotas.
Feliz Natal!
Carlos Linhares
Colunista
Psicólogo e antropólogo, mestre e doutor pela UFBA. Atua na UNEB e UNIFACS. Consultor em Organizações, coach, instrutor e palestrante. Sócio diretor da Strata Consulting.
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