Subserviência, antimaternalismo e a comunicação nossa de cada dia

out/2023

Faz algum tempo que observo nas mesas de resenhas que tanto gosto de participar que um assunto agora é constante e sempre surge no meio,  até mesmo das piadas que estavam ali  para ser as mais divertidas no decorrer dos almoços ou jantares, e ele é o cansaço. Mas me refiro aquele cansaço que nos faz perder a piada e a graça. Aquele que desanima e nos faz dizer: na próxima encarnação vou entrar em outra fila pra nascer. Tenho certeza que é mais fácil quando você escolhe a outra fila. Escutei esses dias de uma amiga que ela já está revendo seus trabalhos, que vai diminuir bastante seus custos para se afastar da quantidade de freela que faz para manter a casa. Que não sabe como será, mas que ela precisa tomar uma atitude. Está cansada dos excessos e assédios. De outra escutei que ela sente tanta culpa por não estar com os filhos que faz dias que não consegue trabalhar, está segurando as pontas e administrando com a cliente que se tornou sua amiga, depois de tantos anos atendendo, mas que sobressaltada e com o mal da contemporaneidade, a tão conhecida ansiedade, quando escuta a voz do chefe, pois sabe que, no dia 25, se meta não estiver sido alcançada, o bicho vai pegar. Trago aqui esses dois relatos e te pergunto de forma bem simples se foi logo perceptível o que eles têm em comum, fora a chance dessas pessoas precisarem ser afastadas de seus labores pela falta da saúde mental que muitas vezes chega acompanhada de transtornos psíquicos .

A verdade é que nas minhas rodas de conversas a maioria são mulheres. Sendo assim, somos mulheres que trabalhamos na comunicação e que precisamos também lidar com o maternalismo que acomete a sociedade e que nos adoece. Nesses dois casos, as minhas amigas são mulheres que possuem filhos, uma delas é mãe solo e a outra casada com um homem. Trabalhar em um ambiente descolado, criativo, nunca nos isentou de vivermos as muitas questões de gênero que precisamos enfrentar em nossa Bahia. Vi uma postagem esses dias no instagram que falava o porque precisavamos refletir sobre as inteligências artificiais que são assistentes para nos ajudar serem de mulheres e achei maravilhoso, pois todos dizem: voz de mulher traz aconchego, mas a verdade é que a mulher no subconsciente da sociedade por uma construção cultural, que insistimos em não querer debater, nos coloca como a pessoa que sempre vai servir, que sempre está a postos para ajudar. E ai da mulher que ouse não ser assim! De forma curta e direta essa postagem dizia: tecnologia e comunicação é uma questão de gênero também. Se ligue, você, pessoa descolada e criativa, pois tudo comunica e tudo é política. Nesse caso, a de gênero (equivocada e que existe em manter o status quo dos homens), que é feita para não sermos escutadas, continuarmos subservientes e sempre a postos para performar.

A outra postagem falava sobre o nosso mundo fake do Insta, onde me lembrava que lá no começo víamos muitos cafés, fotos de viagens, fotos de pets, mas que agora ele é tão usado por empresas e por quem deseja ser visto pelas empresas que as pessoas normais não querem usar. Eu me encaixo nessa parte, porque sinto preguiça de postar para performar. Já vivo no trabalho o horror do imediatismo que acomete muitos clientes, sempre em busca do efêmero e instantâneo  likes que vão pagar meu ganha pão na postagem da empresa, mas não quero isso na minha página pessoal. Te digo desde já, se ela for a referência de minha vida para eu ter cliente na comunicação, ficarei sem eira nem beira. Eu sou uma mulher política todos os dias e muitas vezes é difícil não ficar uma mistura de indignação com tristeza, quando observo minha sobrecarga e as de minhas amigas. No livro novo de Vera Iaconelli, psicanalista que escreve para a Folha de S. Paulo e faz poucos dias participou do Giro Nordeste, programa da TVE aqui na Bahia. Ela já nos diz no título sobre o que precisamos refletir enquanto sociedade: Manifesto antimaternalista: Psicanálise e políticas de reprodução. O que esse livro de uma médica tem haver comigo e com minhas amigas na área de comunicação? Tudo. Ela pede, assim como a postagem bombada que me impactou no Instagram que ou falamos de gênero ou falamos de gênero. Que o discurso que reduz a mulher a ser subserviente, sempre a postos, e cuidadosa de tudo e todos, precisa acabar. A reprodução de estereótipos de gênero. Lembre dos nomes das assistentes virtuais: Siri, Alexa, Cortana, etc. São um lembrete constante do imaginário coletivo sobre ser mulher. Mas é claro que o óbvio precisa ser dito (tenho uma figurinha no meu zap que diz essa frase e é uma das que mais uso), que um bom marqueteiro (perceba aqui o gênero que tudo pode, falando na nossa língua pátria – regra gramatical – sempre que quisermos falar de homens e mulheres basta usar a palavra no masculino) pode dizer que o público-alvo desses equipamentos que facilita a vida moderna são homens que precisam ganhar tempo e não esquecer dos seus afazeres, para assim relaxarem fumando seu charuto da vitória no final do dia. Ou quando temos uma das grandes lojas varejistas dizendo que tem uma assistente chamada Lu do Magalu pra te ajudar, ou que o banco Itaú agora tem 24 horas no seu zap zap uma voz que vai te ajudar quando você precisar ser atendido. Acho que até essas assistentes virtuais já cansaram de falar e de serem garotas-propaganda sem descanso. Voltando às minhas observações de cronista de botequim da vida real das mulheres na comunicação, minha sugestão é: não podemos nos perder de nós mesmas e isso passa por ler Vera Iaconelli, tentar não ter medo de ser mulher nas empresas e buscar no Google uma campanha publicitária manifesto que o movimento de mulheres artistas Guerrilla Girls fez utilizando cartazes em NYC que diz: As Vantagens de ser uma artista mulher. Vou colocar aqui duas vantagens que se encaixam pra mim como uma luva para nós mulheres da comunicação. Ver suas ideias tomarem vida no trabalho dos outros e saber que sua carreira pode decolar quando você tiver 80 anos. Mas essas dicas servem para você meu amigo aliado, eu garanto que o livro de Iaconelli é bem interessante e como uma feminista que não tem medo de ser quem é, mesmo em tempos de grande cancelamento virtual e real no mercado publicitário, que o case das artistas (que você vai pesquisar no Google) valia um Leão em Cannes, mas não sei se elas tiveram tempo de fazer a inscrição naquele ano.

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Mirtes Santa Rosa

Mirtes Santa Rosa

Colunista

Publicitária formada pela Ucsal, Especialista em Comunicação e Gerenciamento de Marcas pela FACOM – UFBA. É uma das idealizadoras e Hosts do Umbu Podcast e do portalumbu.com.br, CEO da Umbu Comunicação & Cultura e acredita todos os dias em comunicação inclusiva, anti racista e democrática.

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