Uma arena cruel

dez/2019

Vemos em todo o mundo “explosões populares” que expressam: “não aguentamos mais”! A verdade é que o povo, de modo geral, está insatisfeito.  Uma das raízes do problema é a concentração de riqueza, acentuada pela revolução da indústria 4.0 e agravada pelo alto índice de desemprego. As desigualdades aumentam, e a polarização cresce por conta disso, também.

No Brasil, temos o agravante de uma política oligárquica que perpetuou as desigualdades, ao priorizar políticas excludentes, repressivas e assistencialistas. A política neoliberal, mais recentemente, foi eficiente no combate à crise fiscal e, consequentemente, da inflação, mas do ponto de vista social acentuou o quadro de desequilíbrio social, precarização da força de trabalho, violência urbana, em paralelo, a um sistema de proteção social ineficaz.

Somente uma política pode unificar aquilo que está atomizado – afirma o cientista político Luiz Eduardo Soares.  Em outras palavras, cada intervenção isoladamente tem sua meta, seu método e sua consistência.  Mas o que produzimos é um conjunto de projetos político-societários fragmentados, que somados à escassez de investimentos públicos em políticas sociais, à histórica centralização política e administrativa e ao desvio de recursos, empurram uma grande parcela de brasileiros a ocuparem a arena das mais cruéis formas de violação de direitos em suas múltiplas facetas.  Essas questões, que deveriam ser abordadas a partir de políticas de caráter redistributivos, têm sido respondidas com políticas focais, que aprofundam as desigualdades e despolitizam os sujeitos violados, deslocando o paradigma dos direitos sociais para uma condição periférica. Nesse plano, é que, com frequência, faltam uma política, a meta, o método – e a justiça.

Estabelecer um novo padrão de gestão pública que reordene as prioridades “Estado–mercado” e contemple as reformas de interesse social é um imperativo moral. É preciso atacar o quanto antes as desigualdades para deslanchar um círculo virtuoso de crescimento inclusivo e sustentável. Mas, para além desses aspectos, precisamos discutir, também, a necessidade de o Estado promover a regulação inteligente das tecnologias e da informação, calibrando os interesses diversos – pois se a tecnologia tem sido a ferramenta definitiva para a eficiência em escala, seu mau uso tem retroalimentado essas disparidades em escala mundial e precisamos saber o que fazer com isso – especialmente em um quadro de grave desemprego.

Não podemos mais ignorar essas situações que atingem perversamente, e cada vez mais, os segmentos mais vulneráveis. Essa multifacetada temática merece discussões profundas para que possamos ultrapassar a barreira de olhares simplistas e parciais que impedem uma discussão ponderada sobre esses grandes desafios, essencial para a construção de um bom futuro– algo muito distante dos ânimos atuais.

 

Karin Koshima
karin@recomendapesquisas.com.br

 

 

Karin Koshima

Karin Koshima

Colunista

Diretora Executiva da Recomenda Pesquisas & Consultoria – especialista no comportamento do consumidor, eleitor e posicionamento de marcas. Às informações derivadas das pesquisas, agrega consultoria em planejamento, estratégia e marketing.

Se formou em psicologia na UFBA, é psicanalista com especialização em Psicologia pela USP (São Paulo), também Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia.

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