Umberto Eco, selfies e a certeza que outdoor é outdoor
O que você pensa sobre a comunicação após um dia inteiro de trabalho em que tudo foi para ontem? Atualmente, busco me desconectar do meu mundo hiperconectado da comunicação digital, até mesmo do zap que sempre está on line. Resolvi fazer de conta que ele não existe, quando abro a porta da minha casa após as 20h. Eu penso e falo comigo mesma várias vezes como um mantra, que desconectar é o melhor ensinamento que Umberto Eco me deu quando precisei estudar lá nos meus primórdios da Publicidade na Ucsal sobre a importância do ócio criativo. De não pensar em nada e estar de boa com isso. Dar uma folga a Tico e Teco. E esse mantra me ajuda também a não adoecer, me perguntando eternamente se pensei de forma disruptiva e criativa. A pior coisa que a hiperconexão nos trouxe foi essa insegurança sobre como fazer causar todos os dias. Parece que é necessário escutar todos os dias a música tema de Rock Balboa, após a subida das escadas para nosso cérebro entender que somos campeões da comunicação. Lembro que cerca de 10 anos atrás, uma campanha entrava no ar e falávamos nos encontros na hora do almoço no Salvador Shopping sobre os desafios de produção para fazer a campanha acontecer ou mesmo que a campanha tinha todos os meios e na hora H ficou apenas a velha veiculação no Jornal Nacional, que o dono da loja vai assistir e depois perguntar para seus vendedores se assistiram também. Agora, o dono da loja não assiste TV aberta, mas vende para a classe D e E e pensa que basta postar nas redes sociais da empresa que tudo vai dar certo. Vai entender essa galera…
Em tempos em que estar on line é obrigatório para muitos que trabalham com comunicação. Após umas sessões de terapia, entendi que o mundo não vai acabar se meu cliente não tiver likes imediatos após uma postagem que seguiu todas as regras e métricas válidas daquele dia que a plataforma nos apresentou ou, se minha postagem de reels (Pessoal ou do cliente) não alcançou 1 milhão de visualizações. Porque, caso vocês ainda não tenham percebido, todos os dias eles (as plataformas) conseguem inviabilizar o nosso melhor planejamento estratégico digital que utilizou de todas as ferramentas disponíveis e foi validado pelo cliente às 20h30 do dia anterior, naquela última ligação do dia de trabalho, em que as crianças já estão te lembrando que a maternidade e a paternidade estão on, te chamando para botar para dormir ou para dizer que precisa fazer uma pesquisa no Google sobre imigração no Brasil. Diz a escola que isso é educação digital.
A velocidade e a quantidade de informações que hoje precisamos lidar em nosso trabalho acaba nos adoecendo. Como pode estar uma vírgula errada em questões de horas ou de simplesmente uma noite mal dormida? Se você não pensa sobre o que significa fazer comunicação em tempos tão efêmeros no decorrer de seu dia, sendo publicitário, você é um felizardo ou uma felizarda. Dependendo do meu dia, eu quero é ter tempo para não pensar em nada, inclusive não consumir as redes sociais. Quero aprender uma nova habilidade que não seja me controlar para não xingar Mark Zuckerberg por mudar as regras diariamente sobre o que vai dar certo ou não na campanha de meu cliente. De verdade, a comunicação nunca nos pareceu tão fácil e acessível, mas, ao mesmo tempo, passou a ser um dos maiores desafios da humanidade. Para comunicar precisamos nos ater a muitos mais pontos nos dias correntes do ano de 2023, inclusive a inúmeras possibilidades de caminhos e isso nos deixa na hora da verdade verdadeira sem saber se falamos a real para nosso cliente sobre os desafios impostos por terceiros em nosso labor. Em tempos de pós verdades, a minha verdade de como trabalhar a comunicação pode não ser a do cliente ou a do meu amigo do grupo de comunicadores do zap. E a verdade é que a maioria de nossos clientes pensa e acredita que a solução de seus problemas é fazer apenas ações digitais. E esse caminho somente, caso seja ele o escolhido, está predestinado ao fracasso e à doença do século que é estar conectado aguardando os likes. Quando a validação do outro não chega, através de curtidas, estamos fadados a sermos pessoas fracassadas ou mesmo nada inteligentes, já que até uma criança de 12 anos sabe fazer a melhor comunicação do mundo e nós comunicadores, cada um na sua área, somos as pessoas menos capazes para fazer o que estudamos. Quando isso acontece lembro de meus amigos de algumas horas de ócios criativos, como Gilles Lipovestsky que nos diz que o importante é “agradar e impressionar” por meio da videocomunicação, captando e dominando seus desejos de um cotidiano simples mas cheios de aceitação através dos likes e comentários na publicação que geraram engajamentos. Em tempos líquidos, efêmeros e tênues, vale muito não enlouquecer buscando a utopia de ser especial por ter uma profissão criativa e divertida. E também, lembrando de conceitos simples de comunicação estratégica de mídia, em que cada meio tem um objetivo para a campanha alcançar o sucesso. Será o conjunto dos meios que vai fazer a mensagem chegar ao seu público-alvo. Eu continuo validando o meio outdoor e rádio (não só porque eles nunca me enlouqueceram como o digital). Como aprendi lá em Mídia 1, com Dudu Malvadeza, que em uma cidade de vales como a nossa, a placa bem localizada, tipo a da Cruz da Redenção, faz valer sempre o investimento do cliente. E os dados não mentem, já que só em Salvador, segundo o Detran circulam no mês 1 milhão de carros, e não é possível que tenhamos tanto azar pra que essa galera dos carros não vejam uma plaquinha de outdoor da campanha de seu cliente em algum momento nesses 15 dias de veiculação ou que nunca estejam conectados a nenhuma rádio local enquanto dirigem para escutar a música do momento sem precisar de algoritmo e sim de uma curadoria feita por gente como a gente, que são os locutores das rádios musicais. Mas como a vida na comunicação em Salvador não é Nutella, a real é que precisamos de selfies, espaços instagramáveis que validem nossa inteligência comunicacional por 12 horas quando alcançamos o sucesso na postagem e a troca de turno ainda não aconteceu no Vale do Silício para tudo mudar e nossa estratégia morrer. No momento o que é local e não digital parece não ser legal para quem paga a conta. Fala com quem, produção, para conversarmos sobre essas crenças limitantes que nos deixamos dominar após o boom do digital? E assim começamos mais um dia hiperconectados como Sísifo subindo a grande pedra até o alto da montanha do sucesso da viralização e depois rolando ladeira abaixo como um castigo de quem não agiu em prol dos deuses da comunicação que deixaram de entender a beleza campestre e pueril de Umberto Eco ou mesmo de um típico engarrafamento em frente ao Shopping da Bahia.
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Mirtes Santa Rosa
Colunista
Publicitária formada pela Ucsal, Especialista em Comunicação e Gerenciamento de Marcas pela FACOM – UFBA. É uma das idealizadoras e Hosts do Umbu Podcast e do portalumbu.com.br, CEO da Umbu Comunicação & Cultura e acredita todos os dias em comunicação inclusiva, anti racista e democrática.
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