Vuca, Bani e Panta Rei: novas lentes de contato para leitura de cenários
Convidado para falar sobre os conceitos de VUCA e BANI para uma plateia do mundo corporativo, introduzi o PANTA REI do filósofo Heráclito de Éfeso (de 540-475 a. C.) como mais uma chave de leitura de nosso tempo. Panta Rei, do grego, quer dizer que tudo passa, tudo flui, tudo é móvel, tudo está em mudança, é transitório, passageiro, tem movimento e que não pode permanecer estático.
Heráclito, o pré-socrático, me transportou à Grécia Antiga, ao mundo de Sophia e dos filósofos, para quem a coruja, fiel companheira de Minerva, a deusa da sabedoria, era símbolo. Em um portal de algum templo em ruínas lê-se o oráculo: a coruja de Minerva alça voo quando as sombras caem.
E foi na sombra e na escuridão de ataques terroristas que oficiais norte-americanos viram que já não viam direito. Viram bases militares se espatifando em explosões, transformadas em alvos fatais. Entre perplexos e estarrecidos, reconheceram seu estado de cegueira estratégica e erros crassos na gestão de riscos. Definitivamente, não se tratava mais do mesmo cenário dos tempos da Guerra Fria, sem a polarização com a União Soviética.
Muito mais vulneráveis, sofriam por estarem sendo vítimas de inimigos mil vezes mais fracos e menos equipados. Uma mulher bomba, um lobo solitário, um envelope de carta com antraz. Assim nasceu VUCA, conceito criado no final da década de 1980 no ambiente militar e com etos de guerra, reunindo quatro características marcantes do novo cenário social.
O U.S. Army War College utilizou-o VUCA para corrigir a leitura dos cenários e sanar a cegueira estratégica que atingiria seu clímax com a tragédia de 11 de setembro. O acrônimo resulta da junção das primeiras letras de volatility, uncertainty, complexity e ambiguity (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade). Servem como lentes de contato para identificar as dimensões ocultas e esquecidas da dinâmica social.
A partir de 2010, o conceito extrapolou os muros dos quartéis, se espalhou pelo mundo corporativo. Virou modismo e clichê nos artigos, palestras e reuniões sobre planejamento estratégico e não demorou para virar um elixir, uma espécie de maravilha curativa, que se aplicava a qualquer que seja o ferimento. Mas já não traduzia a realidade. O construto obviamente ajudou em muitos sentidos, mas sua importação descontextualizada da cultura original gerou desgaste e o fez perder vigor.
Recentemente, com o baque da pandemia e suas disrupções como a pressão das mudanças bruscas no estilo de vida, a retração em casa devido ao isolamento social, o trabalho e o estudo remotos, o pânico e o sofrimento pelas perdas de pessoas queridas pelo vírus mortífero, etc, o termo VUCA caducou. Já não faz mais sentido em se falar de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade
Foi então que VUCA deu lugar a BANI, um novo acrônimo esquisito elaborado por J. Cascio, um antropólogo norte americano, investigador de cenários futuros no mundo empresarial. A nova sigla une as letras de Brittle, Anxious, Non-linear, Incomprehensible cuja tradução pode ser quebradiço/frágil, ansioso, não-linear e incompreensível.
Faz muito sentido começar com fragilidade e a vulnerabilidade. É o que temos para hoje no mundo pós-pandêmico onde perda e luto estão escancarados. A percepção agora é muito mais desafiadora do que era antes, afinal já o cenário não é apenas volátil, ele foi espatifado, está trincado, rachado, fragmentado – e frágil. Não inspira mais a solidez e segurança de antes, conforme a profetizou em sua modernidade líquida Z. Bauman, o filósofo da água.
As quatro lentes BANI vem com um tutorial de como lidar com os novos desafios: a percepção da fragilidade no mercado, nas relações – e até em que observa – passou a demandar maior resiliência e maior adaptabilidade.
A ansiedade, a segunda letra de BANI, deve ser trabalhada melhor com psicoterapia, com trajetórias de autoconhecimento, empatia e a meditação. O famoso Yuval Harari lembra que só ganhou fôlego para escrever seus três livros – Sapiens, Homo Deus e 21 lições – depois de se submeter por um longo período às técnicas de respiração com um mestre de ioga, na Índia. Ele dedica um capítulo inteiro ao tema em 21 Lições. Confira.
As pessoas sentem medo de perder o emprego do dia para a noite, as empresas trabalham com planejamentos menos robustos e longos e a maioria das pessoas parece compreender que tudo pode ruir a qualquer instante. Precarização, pejotização, deterioração dos empregos, tudo isso acarreta a ansiedade, sim. São os lutos nossos de cada dia, das muitas perdas de pessoas conhecidas, de oportunidade, de patrimônio. E a corrosão da democracia e suas instituições pelos incompreensíveis algoritmos.
A não-linearidade sugerida pelo BANI pode ser treinada numa visita aos quadros de Picasso, Dali e Bacon. Ela já está presente nos consultórios de psicanálise há mais de um século sob a forma de livre-associação. Trata-se da mãe da criatividade e de todas as artes.
O que era ambiguidade no paradigma VUCA, virou incompreensão e enigma, no BANI. Muito disso é resultado da overdose de conectividade, que produziu nossa Sociedade do Cansaço descrita pelo filósofo coreano Byung Chul Han, a melhor lente de contato para interpretar a antropologia do mundo digital. Hoje, as informações fluem com tanta frequência e rapidez, que investimos mais tempo em ruminá-las do que em transformá-las em ação. Pessoas e profissionais estão constantemente sem resposta.
De volta à Grécia Antiga, admiremos a coruja de Minerva alçar voo ao entardecer. Ao longo dia, à luz do sol, as águias se fartaram de comida. À noite, não enxergam e se recolhem.
Enquanto a noite se adensa, a deusa sábia Minerva escuta o som de sua coruja lá no alto dizer: – Faz escuro, mas eu caço.

Carlos Linhares
Colunista
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