Entrevista: Candice Pascoal – Fundadora da Kickante

out/2018

“Sempre falo que o empreendedorismo irá salvar o Brasil e acredito muito nisso. Hoje, o empreendedor não é mais apenas o homem ou mulher de negócios.”                                                                                                                                                                                   

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       “Sou 100% baiana. É o melhor de mim”

A entrevistada do mês é Candice Pascoal, 39, executiva que teve seu nome projetado internacionalmente após a criação da Kickante, plataforma de crowdfunding, a prática de financiamento coletivo. A baiana de Juazeiro é reconhecida como uma das 10 brasileiras mais inovadoras na área de tecnologia. Foi a única brasileira ganhadora do prêmio Cartier Women’s Initiative Awards 2017, premiação considerada uma das mais importantes iniciativas do empreendedorismo feminino do mundo. Ano passado, lançou seu primeiro livro, “Seu Sonho Tem Futuro”, em que dá dicas para o leitor tirar os projetos do papel em 6 meses. Na entrevista a seguir, fala sobre empreendedorismo feminino, diferenças na atuação do crowdfunding no Brasil e em outros países, inovações trazidas ao mercado pela sua empresa, hobbies e a importância de conciliar uma agenda de empresária internacional e prazeres familiares e pessoais. Sobre a terra natal, a fala é uma declaração de sentimentos: “Minha família, minha cultura, meu amor pelas artes, pelo mar e pela diversidade brasileira. Isso tudo vem da Bahia”. Confira a íntegra da entrevista.

 

ABMP: No mundo todo, o empreendedorismo continua ganhando força e projeção, especialmente projetos ligados à tecnologia. Em sua opinião, o empreendedorismo poderia ser ainda mais explorado, especialmente como alternativa para jovens?

C.P: Com certeza. Sempre falo que o empreendedorismo irá salvar o Brasil e acredito muito nisso. Hoje, o empreendedor não é mais apenas o homem ou mulher de negócios. Mas, graças às redes sociais e crowdfunding, temos uma nova ordem, onde todo brasileiro também passa a ser um empreendedor em potencial. Quando lancei meu livro “Seu Sonho tem Futuro”, fiz pensando nesse brasileiro com sonhos, vontade, mas sem o know-how para executar. O best-seller veio rápido, mostrando a aceitação e necessidade do mercado.

 

ABMP: A senhora é uma empreendedora bem-sucedida e premiada. Qual é a sua opinião sobre os desafios de empreender especificamente para as mulheres?

C.P: Além de empresária sou esposa e mãe, e procuro trabalhar com disciplina, focada nos processos para manter um equilíbrio entre trabalho e família. É impossível ser bem-sucedida como pessoa se uma parte da sua vida não está bem. Temos que aceitar que entre nossas aspirações e deveres, existe um ser humano, e que ele é a fonte de todo o trabalho a ser feito. Esse equilíbrio entre o pessoal e o profissional é importante para mim e algo que promovo bastante no nosso time. Isso dito, acredito que para sermos uma sociedade realmente empreendedora, a massa também precisa estar empreendendo e inovando em grande escala. O maior desafio em termos mais mulheres empreendedoras, com base nos medos que ouço de diversas mulheres que compartilham comigo suas dúvidas sobre o melhor caminho a seguir, é a expectativa e julgamentos da sociedade. Algo que muitas mulheres infelizmente ainda se sentem na obrigação de suprir. Se deseja que a mulher seja bem-sucedida, mas culturalmente ainda se desenha a mulher de verdade como a dona de casa. Estude, mas não seja mais inteligente que os homens ao seu lado. Há que se repensar como educamos nossos filhos e nossas filhas para o futuro. Este ano, fui convidada para dar um curso sobre branding para as finalistas do Cartier Awards. É o maior prêmio de empreendedorismo feminino que existe no mundo, prêmio que recebi ano passado devido ao meu trabalho na Kickante. Fiz questão de levar o meu filho de seis anos para o evento. Acho inspirador ele poder ver quanta mulher há no mundo saindo do padrão esperado. Ele assistiu e só teve uma reclamação: “mamãe, quero você no palco também, você deveria ter trazido seu prêmio e subido lá de novo hoje”. Acredito que para mudar o cenário e termos mais mulheres inovando na rua, o trabalho de conscientização deve começar em casa.

 

ABMP: A sua empresa é um exemplo de iniciativa empresarial que trabalha práticas que tornam o mundo melhor. A senhora falou em artigo sobre a importância de as empresas incorporarem boas práticas, de maneira continuada. Na sua opinião, as empresas, de maneira geral, estão preocupadas com essa questão?

C.P: É muito importante ter processos bem definidos. Falo sobre isso no meu livro, o best-seller “Seu Sonho tem Futuro” (disponível em todas livrarias do país). Como CEO e fundadora da Kickante, mesmo morando em outro país, gerencio o time e parceiros remotamente. Também sou a chefe do conselho da empresa (Chairwoman of the Board). Acredito que nós gerenciamos processos e inspiramos pessoas. Quando algo está errado no time, basta olhar o fluxo e identificar onde consertar o que está temporariamente quebrado. O time responde bem a isso, há clareza no processo para todos.


ABMP:
A senhora é fundadora e CEO da Kickante, uma plataforma de crowdfunding. Qual a avaliação que a senhora faz do financiamento coletivo praticado hoje e que futuro podemos vislumbrar para essa atividade?

C.P: Se compararmos o crowdfunding do Brasil com o de outros países (como os EUA, que já convivem com essa realidade há muito tempo), o nosso país ainda está dando os primeiros passos, tanto no quesito “contribuir” como no fato de se perceber como o financiamento coletivo pode colaborar para o seu negócio ou ideia. Entretanto, já é perceptível que o brasileiro está dando seus primeiros passos para abraçar ocrowdfunding como oportunidade. Prova disso é que a Kickante lançou mais de 72 mil campanhas, arrecadando mais de R$ 57 milhões. Tais números refletem o trabalho da Kickante de mostrar que o financiamento coletivo já é uma realidade no país e que todo brasileiro pode realizar seu sonho, meta profissional ou pessoal por meio do crowdfunding. Para se ter uma ideia desse mercado, em 2013, o mercado mundial de crowdfunding representou US$ 6 bilhões. Em 2014, foram arrecadados US$ 16,2 bilhões via crowdfunding no mundo todo – um aumento de 167% em relação ao ano anterior. Em 2015, a arrecadação mundial saltou para US$ 34,4 bilhões (já ultrapassando os investidores anjo). Até 2025, as projeções indicam que o mercado vai chegar a pelo menos US$ 90 bilhões e o Brasil tem potencial para representar pelo menos 10% desse valor.

ABMP: Por que trabalhar com financiamento coletivo?

C.P: Trabalhei na indústria da música e vi de perto as mudanças deste setor e a queda de diversas empresas da área por não saberem como lidar com o mundo digital. Além disso, atuando com consultoria de arrecadação de fundos para as ONGs, percebi que tudo era feito com um custo enorme, o que acabava inviabilizando a arrecadação em massa para a maioria das instituições. Foi neste momento que identifiquei as possibilidades oferecidas pelo crowdfunding, pois através dele qualquer pessoa pode arrecadar fundos e tirar seus projetos do papel. Empolgada com o poder transformador e social dessa ferramenta, decidi investir no segmento no Brasil.

Mas pesquisando o mercado de crowdfunding concluí que o que vivíamos no exterior ainda estava muito atrás do Brasil. Resolvi, então, deixar uma carreira executiva de high pay internacional para liderar umastartup de impacto social, a Kickante. Exergo no crowdfunding o potencial de democratização, de oferecer o poder para que qualquer pessoa consiga tirar seus projetos/sonhos do papel e desde então lideramos a empresa.

ABMP: Há diferenças entre a atividade de crowdfunding no Brasil e em mercados como Estados Unidos e Europa?

C.P: O conceito do financiamento coletivo é unificado dentro da maioria dos países. Falando de inovação, – algo que a Kickante é conhecida como a empresa que mudou a cara do financiamento coletivo no Brasil, – a opção “campanha flexível” e a opção de “lançar campanha sem curadoria ou aprovação da plataforma, mas com a aprovação do povo” são mudanças que a Kickante trouxe para o cenário brasileiro de crowdfunding, hoje copiada por todos. Outras inovações que nós trouxemos para o mercado de crowdfunding como um todo, Brasil ou exterior, foram: doação parcelada, algo que inovamos no Brasil, porque não parcelar para fazer o bem, quando já parcelamos tanto para consumir muitas vezes o que nem precisamos? Essa inovação foi um grande sucesso e impactou o mercado de doação no Brasil como um todo. Também fazemos a primeira contribuição em todas as campanhas, assim ninguém divulga sua campanha com o marcador zerado. Nós queremos ser os primeiros a acreditar no seu sonho. Damos apoio de marketing digital durante todo o percurso para ensinar o criador como divulgar sua campanha. Temos solução de Eventos do Bem acoplado a campanhas de crowdfunding, onde doadores se tornam captadores para ONGs variadas nas suas datas festivas (aniversário, Natal, etc). E, por fim, somos uma plataforma vencedora de dois prêmios: Cantarino Brasileiro e Cartier Awards, devido à nossa tecnologia e impacto.

ABMP: Diversas campanhas importantes utilizaram a sua plataforma, com sucesso, para levantar fundos. Em relação a projetos sérios e sem apoio, a senhora avalia que falta mais projetos como o Kickante pelo mundo para fazer esse meio de campo e juntar gente disposta a doar com quem precisa receber recursos?

C.P: Acho que mais do que ter mais plataformas, que nem sempre são de fato boas tecnologicamente, as ONGs, os artistas, os empreendedores, escritores devem saber como solicitar. Na Kickante, damos todo o suporte e consultoria gratuita de marketing digital aos criadores, pois sabemos que o brasileiro que não trabalha com mídias digitais ainda não sabe como usar a força das mídias digitais para tirar projetos do papel. A Kickante acredita no Brasil e nos brasileiros. Mas, muito mais do que palavras, realizamos ações diárias por meio de nossos clientes, parceiros e contamos com o que o brasileiro tem de melhor: sua força em agrupar e mobilizar. Essa é a base do nosso negócio.

ABMP: De onde veio o interesse pela fotografia, que a senhora pratica como hobbie?

C.P: Pratico a fotografia e cerâmica como hobbie. Na realidade, no caso da fotografia, o meu filho de seis anos já se apoderou da minha câmera nas viagens, então ele quem tira as fotos. No caso da cerâmica, vou ao estúdio uma vez por semana, aqui na Holanda. Prego sempre a importância de sermos profissionais completos. Já tive, no começo da minha carreira, aquela fase de apenas trabalhar, e sei que não é o caminho certo para mim. Ter hobbies, tirar tempo para o ócio criativo, não apenas nos torna cidadãos mais felizes mas também é um bom negócio. A maioria das minhas ideias inovadoras surgem quando estou revisando inteligência de dados ou quando estou com a mente calma: lendo, fotografando, fazendo cerâmica.

ABMP: A senhora é uma mulher que nasceu em Juazeiro, no interior da Bahia. Saiu nova de lá, veio pra Salvador, depois rodou o mundo. Qual é sua ligação com a Bahia hoje?

C.P: Minha família, minha cultura, meu amor pelas artes, pelo mar e pela diversidade brasileira. Isso tudo vem da Bahia. Sou 100% baiana, com muito orgulho. É o melhor de mim. Vou à Salvador todos os anos, meus pais e dois dos meus irmãos, assim como amigos de infância, ainda moram na cidade.

ABMP: Numa entrevista, a senhora contou que no meio de todas as atribuições, ainda tem que arrumar tempo para cozinhar, organizar a casa e fazer funções familiares. Parecia falar dessas coisas como momentos de prazer em meio à correria. É isso mesmo? É possível fazer tanta coisa e ainda ter tempo para prazeres domésticos no dia-a-dia?

C.P: Valorizo muito o meu tempo em família e em criar um relacionamento direto com meu filho de seis anos e meu enteado de 17. É possível sim fazer tudo, desde que nos organizemos, e que os filhos também entendam que em alguns momentos você precisará se ausentar, seja para uma viagem ou para ligações ou reunião. Não há o que romantizar, para uma mãe conseguir ser mãe presente e também uma executiva internacional de sucesso, muita organização se faz necessária – assim como clareza mental. Alfredo sempre foi comigo até os quatro anos de idade nas minhas viagens de negócios ao Brasil, onde temos família para cuidar dele nestes momentos. Não era fácil, são viagens longas da Holanda para o Brasil, com criança pequena e uma agenda cheia de compromissos profissionais. Mas não abria mão de ter ele comigo. Organizando direitinho, e principalmente se rodeando do suporte necessário, tudo dá certo. Agora que ele já está sendo alfabetizado, não pode viajar comigo, então equilibro minhas viagens e mantenho ele atualizado de tudo. Hoje, o que mais sinto falta é de conseguir acalmar a mente para ter tempo para meditar em oração, algo que sempre fiz e que me traz a calma que os dias agitados tanto precisam.

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