Entrevista: Isabel Aquino – Publicitária, estrategista, especialista em análise de tendências

jun/2024

Se não pensarmos coletivamente, estaremos sempre à margem do que temos potencial para ser. Se as empresas olharem apenas para os seus umbigos e não estabelecerem estratégias ESG – também um grande tema dos festivais – não seremos capazes de crescer coletivamente com todas as oportunidades que as tecnologias trarão.                                                                                                                                                                                       

 

Publicitária especializada em pesquisa de tendências, comportamento e consumo, com mais de 20 anos de experiência no mercado brasileiro. Acredita na emergência da co-criação, da atuação corporativa mais bonita, sustentável e humana e nas conexões locais como diferencial estratégico. Atualmente, direciona sua atuação a projetos de causa. Como consultora de marketing do Programa de Desenvolvimento do Turismo na Prefeitura de Salvador, esteve na linha de frente do Salvador Capital Afro, tema da sua apresentação no SXSW 2024. Atualmente presta consultoria para ONU Mulheres Brasil, apoiando tecnicamente a Aliança Sem Esteriótipos, capítulo brasileiro do Unstereotype Alliance, uma plataforma global de ação contra estereótipos de gênero na publicidade.

 

 

ABMP: Como você vê a integração das tendências identificadas no SXSW e em outros grandes festivais internacionais ao contexto de Salvador?

IA: Inteligência Artificial foi o grande tema dos festivais. No SXSW, a expressão que mais se difundiu foi o Superciclo Tecnológico, da palestra da Amy Webb, futurista e CEO da Future Today. Para Amy, o que estamos vivendo agora é inédito, porque estaremos impactados por três grandes tecnologias: inteligência artificial, ecossistemas conectados (IOT) e biotecnologia. Para ela, essas três frentes mudarão muito rapidamente a sociedade inteira e não há como fugir disso. Ao pensar sobre essa grande transformação integrada à Salvador – uma cidade criativa e de cultura pulsante mas também de profundas injustiças sociais e econômicas – penso que é crucial não deixarmos para trás reflexões importantes e exercitar como essas tecnologias podem ser usadas para combater desigualdades, melhorar acesso (educação, saúde, cultura, ocupação dos espaços públicos, moradia digna, lazer), preparar para os desafios climáticos e proporcionar mais bem estar social. O nosso exercício enquanto cidade é o mesmo para todo Sul Global – Se não pensarmos coletivamente, estaremos sempre à margem do que temos potencial para ser. Se as empresas olharem apenas para os seus umbigos e não estabelecerem estratégias ESG – também um grande tema dos festivais – não seremos capazes de crescer coletivamente com todas as oportunidades que as tecnologias trarão. 

ABMP: Você palestrou no SXSW, apresentando a iniciativa Salvador Capital Afro. Como foi a receptividade do público internacional ao nosso projeto?

IA: Quando inscrevi o Salvador Capital Afro no Festival, não tinha a menor ideia do que aconteceria – sabia que tinha um projeto incrível, de inovação social, um case de city branding, mas não tinha muito claro se dialogava com o que a curadoria e o público do evento desejavam. Alguns dias depois de inscrever, recebi um e-mail de uma das curadoras dizendo que tinha ficado emocionada com o nosso vídeo. Que o sonho dela era que a população preta de Salvador assumisse o poder e que ela faria de tudo para estarmos na programação. Ela é americana e conhecia a nossa cidade! Então, cheguei em Austin muito animada e tivemos uma receptividade extremamente calorosa, a apresentação teve ótima audiência com brasileiros e principalmente negros americanos – jornalistas, artistas, criadores de conteúdo da área de turismo. Entre os brasileiros, recebi vários relatos de que se sentiram emocionados com o projeto, com a cidade, com o Brasil que estávamos mostrando. Os americanos ficaram entusiasmados, querendo vir, fazer parte, saber mais e como poderiam apoiar o projeto. Estar em Austin nos ajudou a promover a internacionalização do destino e atrair olhares de potenciais investidores.

ABMP: Quais as tendências que você destacaria como as mais relevantes para os próximos anos?

IA: Pra mim, a grande conversa é como faremos a transição tecnológica apontada nos festivais de forma inclusiva, com ética e com coesão social. Não suporto a ideia de ameaça da cidadania, das fake news e do aumento da pobreza potencializados pelas tecnologias. Para mim, todos os setores deveriam ter equipes pensando nisso. Todos os profissionais precisam incorporar essa visão sistêmica das suas atuações.

No SXSW, teve um painel excelente promovido pela Natura&Co sobre Bioeconomia: Prosperidade da Amazônia e das pessoas, com a participação de uma advogada americana muito interessante, chamada Colette Pichon Battle. Desde que viu sua comunidade afetada pelo furacão Katrina, Colette atua pela justiça climática, promovendo estratégias que ajudem a administrar os recursos naturais. Na sua fala, ela usou muito a palavra desconforto, pois para ela, não haverá futuro sem que toda a sociedade – pessoas, instituições – encare o desconforto para transformar os nossos modelos e padrões de consumo e o sistema econômico que pauta o Planeta. Ter uma voz falando sobre ausência de futuro num evento que debate o futuro, foi muito impactante. Precisamos aprofundar essa conversa.

ABMP: Como a diversidade e inclusão de profissionais e lideranças pode contribuir para o desenvolvimento social de nossa cidade?

IA: Times diversos são mais produtivos, criativos, rápidos para solucionar problemas, pois há variedade de perspectivas, repertórios e backgrounds. Essa soma carrega em si um poder muito grande, que promove originalidade e autenticidade, além de reter e atrair talentos. E já está provado que gera mais lucro. Para essa magia acontecer, é necessário ter alta liderança verdadeiramente engajada, concretizando estratégias transversais a todas as áreas de uma empresa/instituição e com abordagem interseccional, ou seja, que leve em consideração a variedade de grupos minoritários e suas demandas específicas. Compor uma equipe diversa, mas não se comprometer com a gestão dessa equipe, não promover letramento, nem tratar do tema interseccionalmente, é apenas diversity washing.

ABMP: Como a inovação tecnológica e social pode fortalecer a cultura negra local e global?

IA: Falando pela experiência que tive recentemente com o Salvador Capital Afro, acredito que a inovação tecnológica pode, primeiro, multiplicar as possibilidades de soluções. Ainda estamos na fase de experimentar e entender como. Segundo, ela pode acelerar o ritmo de implementação das ações, trazendo resultados mais rápidos para o seu público-alvo. Dá ferramentas também para que a cadeia de valor a ser beneficiada se articule, ganhando força, voz e poder de influência nas decisões da administração pública, dando escala para isso que a conectividade e as redes sociais já trouxeram: formar comunidades poderosas e amplificar a voz desses grupos. Um olhar importante é: quando pensamos em inovação social, estamos pensando em soluções que fortaleçam quem precisa, numa dinâmica em que todos ganham. Gosto de frisar isso, para dizer que não é assistencialismo – trata-se de criar dinâmicas, inverter a lógica dos sistemas, criar pontes em que todos os envolvidos se beneficiam.

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