Entrevista: Carine Guimarães – Modelo
“Quase tudo que consumo vem da minha comunidade, da roupa até o meu cabelo e minha unha. Tento usar minha imagem para promover negócios que são muito bons e que merecem visibilidade. Por conta da influência, as pessoas acabam procurando esses profissionais e contratam esses serviços. “
Foram apenas cinco anos de intervalo entre um encontro casual na Marcha do Empoderamento Crespo para a participação em eventos e campanhas publicitárias de grandes marcas. Carine Guimarães, mulher, negra e portadora de vitiligo, é uma das figuras mais conhecidas do Nordeste de Amaralina, bairro onde nasceu e cresceu.
Militante, debate a favor da diversidade, respeito e contra todas as formas de preconceito.
Nesta entrevista para a ABMP, Carine faz uma retrospectiva da sua participação no Scream e reflete sobre o bairro onde nasceu, mundo da moda e importância e papel da militância.
ABMP: Você participou do Scream Festival em dois painéis: “Desafios da inclusão no mercado”, e “Me respeite, eu sou favela”. Como foi sua participação no evento e importância das pautas que você debateu diante do público diverso presente no Centro Histórico de Salvador?
CG: Foi a minha primeira participação no festival. Amei o ambiente e o clima estava perfeito. Festival bastante organizado, com muitos temas sendo debatidos. Valeu muito a pena.
No caso da minha participação, saio com a satisfação de ter falado sobre mim e o meu bairro, o Nordeste de Amaralina, para pessoas que não me conhecem e não possuem boas informações sobre o lugar que vim. Então, pude falar que meu bairro é massa de se viver, e conseguir trazer isso para o festival foi muito satisfatório.
ABMP: A partir de que momento da sua vida você entendeu que deveria assumir o papel de representar, inspirar, mudar a rota e visão de mundo de outras pessoas, principalmente mulheres?
CG: Tudo começou sem querer. Em 2016, na Marcha do Empoderamento Crespo, um olheiro de uma marca de cervejas me encontrou no evento de forma casual, e me disse que a empresa estava num período de transição, saindo daquele conceito de vender usando corpos, e indo para um outro rumo, mais focado no body positive. A conversa caminhou bem e, em poucos dias, eu estava em São Paulo. Comecei sem entender, negando a situação e, quando vi, estava integrando uma campanha publicitária.
A partir daí, notei que estava sozinha nesse mundo, percebi que não era representada. Vi que precisava abrir caminho, mergulhar naquela água e buscar mostrar que posso, sim, representar, principalmente mulheres pretas, blacks e com vitiligo.
ABMP: E como foi para administrar essa virada na sua vida, do anonimato para grandes campanhas publicitárias?
CG: Para mim ainda é um pouco estranho, pois mantive o meu estilo de vida. Continuo morando na mesma casa e no mesmo bairro de antes. Continuo acordando cedo, indo até a padaria, mercado e passeando pelas mesmas ruas. Por esse motivo, vivo normal, pois lido com pessoas que me conhecem desde criança.
Entretanto, quando saio do Nordeste de Amaralina sinto um pequeno choque, pois as pessoas param, falam comigo, mencionam que me viram em determinado local, em determinada campanha ou evento. Aí, fico um pouco sem entender, processando a situação. Mas acredito que administro bem, mesmo pensando: ‘como essa pessoa me conhece? Como sabe tanto sobre mim? Inclusive, há situações que comentam do meu cabelo, da minha roupa, sugerem algo, elogiam um visual que tive. Para mim é meio novo, mas tiro de letra.
ABMP: Você é do Nordeste de Amaralina, um bairro considerado favela de Salvador. Como tem sido se destacar e crescer profissionalmente por conta do seu trabalho e lado militante, apesar das barreiras sociais?
CG: Para mim tem sido muito positivo. Não trabalho só com o intuito de ter benefício pessoal, e sim para o meu bairro. Sempre quando faço uma campanha, peço uma contrapartida, pensando em como essa marca pode ajudar a minha comunidade.
Para citar um exemplo, para um banco, a campanha foi toda realizada dentro do bairro. Para outra empresa do ramo de produtos de beleza, usei uma camisa da Dugueto, uma marca do Nordeste de Amaralina, dando visibilidade para talentos locais, pois a ação foi veiculada em outdoors por toda a cidade de São Paulo.
Portanto, se eu puder usar meu bairro, faço isso. Quase tudo que consumo vem da minha comunidade, da roupa até o meu cabelo e minha unha. Tento usar minha imagem para promover negócios que são muito bons e que merecem visibilidade. Por conta da influência, as pessoas acabam procurando esses profissionais e contratam esses serviços.
Felizmente, no meu bairro todos gostam dessa visão que tenho e ficam felizes em ver uma campanha acontecendo, em pessoas de fora adquirindo os produtos produzidos ali, e isso é muito interessante.
ABMP: O mundo da moda foi moldado dentro de um padrão estético. Atualmente, é possível notar uma mudança, que preza mais pela diversidade. Com isso, corpos de diferentes características ocupam as passarelas e campanhas publicitárias. Como se sente sendo parte dessa mudança? E aproveitando, quem representa você?
CG: Curiosamente, não gosto muito que me chamem de modelo. Digo isso por não ter aquele corpo padrão. Visto 44, tenho quadris largos, mudo muito o meu cabelo. Gosto de me ver como uma pessoa que não se via representada, mas que agora é e que também representa outras pessoas. E me sinto muito bem com isso, pois sou uma mulher real, que não fica maquiada o dia inteiro. Gosto de transmitir essa essência.
Sobre quem me representa, tem a modelo Barbara Soares (Sueyassu), que tem vitiligo e é perfeita. Tem também Adriano Soares, criador da marca Dugueto, é um cara que admiro e respeito muito, pois desenvolve um trabalho social belíssimo e inspira muitas pessoas. Posso ficar aqui o dia inteiro falando de pessoas, mas quero destacar esses dois, que adoro.
ABMP: No painel do Scream “Me respeite. Eu sou favela”, foram apresentadas estatísticas sobre como as pessoas que vivem nas comunidades se sentem representadas pelas grandes marcas, ou se esse público se sente usado ou não. Além disso, resultados sobre quais marcas estão conseguindo criar laços fortes com a favela foram mostrados. Fale um pouco desse estudo e o que você achou.
CG: Já tinha uma premonição do resultado (risos), pois contribuí com a pesquisa. Vou sempre no escritório da Youpper e pude acompanhar o processo. E a conclusão eu meio que já imaginava qual seria, que não somos tão representados, mas que já é possível encontrar algumas mudanças, diferenças, por conta de campanhas e produtos específicos.
De qualquer forma, só em ter sido feita, a pesquisa já é um indicativo de respeito. E tudo o que queremos é ter respeito.
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