Entrevista: João Carlos de Oliveira – Diretor geral do IPAC
“Os museus precisam atuar como indutores de cultura, discutindo o agora e sendo o lugar de diversidade. Penso que poderíamos trazer os galeristas e galerias para a discussão sobre consumo de arte.”
As portas dos espaços culturais, fechadas abruptamente por conta dos protocolos sanitários contra Covid-19, reabriram pelas telas dos smartphones como solução paliativa para manter os acervos acessíveis ao público. Mais de um ano depois, a esperada retomada física destes locais na Bahia voltam a receber visitantes presencialmente, mas, João Carlos de Oliveira, diretor geral do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), revela, nesta entrevista exclusiva para a ABMP, que nem tudo vai voltar a ser como era antes.
O Ipac é um órgão responsável por restaurar e salvaguardar os patrimônios culturais do Estado, atualmente dirigido por João Carlos, arquiteto e especialista em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Enquanto estavam fechadas, diversas unidades geridas pelo órgão passaram por reformas e restaurações, entre outros investimentos. Além desses detalhes, ele conta a seguir como vê o futuro dos museus e os principais desafios enfrentados no que diz respeito a restauro, conservação, política e promoção da cultura e arte para os cidadãos baianos.
ABMP: Já começando pela pandemia e a retomada cultural, todos os museus geridos pelo IPAC, nesse período de isolamento social, realizaram atividades online para manter uma conexão com o público, como lives, exposições e oficinas. Como foi o desenvolvimento dessas atividades e reação do público a essas novas maneiras de fruir arte?
JCO: É notório que vivemos um momento histórico, de grande ruptura. E, muitas vezes, não temos a percepção da quantidade de acontecimentos que presenciamos. Por essa razão, tivemos que nos reinventar enquanto sociedade, enxergar uma nova maneira de sobreviver à pandemia. E, na minha visão, o público compreendeu isso. Perceberam a relação da cultura como caráter para nossa sobrevivência.
No entanto, descobrimos as plataformas digitais, que foi um modelo que nos fez ter uma percepção ainda maior do nosso território, mostrando os nossos equipamentos museais, não só os de Salvador, como os do interior da Bahia também, atuando num processo de descentralização da capital baiana. Apesar do modelo de trabalho em plataformas digitais ter saturado um pouco, o legado foi muito positivo, pois, mais pessoas conheceram e conversaram com espaços, como o Museu Wanderley Pinho, na Baía de Todos os Santos, Museu Recolhimento dos Humildes, localizado em Santo Amaro, além do Parque Histórico Castro Alves, que fica na cidade de Cabaceiras do Paraguaçu.
Agora, enxergo essas plataformas como uma maneira de conversarmos com quem está lá na ponta, principalmente com aqueles de fora da Região Metropolitana de Salvador. Falo sobre conversar com quem está pensando curadoria em Juazeiro, com aquele que cuida de acervo na região Oeste do Estado. O intuito agora é ouvir mais pessoas e descentralizar.
ABMP:A pandemia foi também um período para arrumar a casa, fazer reformas, otimizar acervos e planejar eventos ou os prejuízos por manter os espaços fechados por tanto tempo foi maior?
JCO: Enquanto servidores públicos, tivemos muito compromisso e responsabilidade com o nosso trabalho e também sociedade, realizando rodízios e abrindo discussões permanentes, no que diz respeito à preservação e cuidado.
Muitas pessoas não têm a noção, mas é preciso entender que estamos falando de prédios históricos e essas edificações fechadas são muito problemáticas por conta da sujidade e umidade. Então, assumimos o compromisso de cuidar, com muito zelo, de todo esse patrimônio, além de dar continuidade às complexas restaurações do Solar do Unhão e Museu Wanderley Pinho, que não pararam em nenhum momento em 2020.
Mas num geral, nós do IPAC estamos trabalhando muito com recursos externos, como emendas parlamentares, e isso nos permitiu, por exemplo, que trabalhássemos no atracadouro e restaurante do Solar do Unhão, que tinham problemas estruturais gravíssimos. Então, foi muito importante nesse período intervir estruturalmente e qualificar ainda mais o equipamento, para que ele funcione de maneira plena, dialogando com a Baía de Todos os Santos.
ABMP: Quais são os principais desafios para realizar e gerir as festividades, casarões, igrejas, museus e obras de restauração de um estado que tem um território do tamanho de países como a França?
JCO: Assumi a função de diretor do IPAC ainda no Governo Dilma Rousseff. Ainda na gestão da ex-presidenta, ocorreu um evento de lançamento da Lei Cultura Viva, em Brasília, e eu estava lá. Encontrei uma prefeita de um município baiano e começamos a conversar, quando me identifiquei, ela falou: “ah, você é quem cuida do Pelourinho”. Isso, de alguma maneira, me incomodou e me preocupou, pois havia ali um olhar limitado das ações da instituição. Não é esse o papel do órgão estadual de patrimônio de Estado da Bahia, apesar de ser uma responsabilidade muito importante.
Por isso, descentralizar e tirar esse olhar geocêntrico tem sido um dos principais desafios, não limitando a nossa atuação, abrindo diálogo e construindo relações com quem está no interior.
Desde então, estamos fortalecendo os sistemas municipais de patrimônio, e já tivemos conquistas importantes. Mesmo assim, queremos amplificar essa atuação, fechando uma parceria com a União dos Municípios da Bahia (UPB) até o fim de 2022, através de um termo de cooperação, para que essa relação com o interior seja menos burocrática e ainda mais inteligente.
ABMP: Independentemente do nível de escolaridade ou classe social, a arte deve ser para todos, concorda? De que forma, na sua gestão, o IPAC vem atuando para atrair a visitação e o consumo de todos os públicos?
JCO: Desde 2015 a nossa campanha #MuseuEuCuido vem sendo aderida e abraçada. Há sete anos é considerada uma ação de importância e referência nacional, no que diz respeito à promoção e acessibilidade de museus, conversando, de forma ampla, com a sociedade, e gerou uma apropriação de público superior a 40%.
Mesmo assim, reconheço que há uma barreira, pois, parte da produção cultural está ficando restrita a certos grupos sociais. Portanto, nosso desafio é discutir ainda mais a relevância do acesso aos museus, cultura e rompimento das barreiras sociais, debatendo o surgimento de mais modelos para trazer a esses espaços a criança, o adolescente e o jovem adulto, para que vejam e entendam o museu como espaço público de excelência, e que essa visão elitista se vá.
ABMP: A população baiana é consumidora habitual de arte, especialmente da arte local?
JCO: Há alguns anos ocorreu no MAM a exposição “Cabeças”, do artista plástico (já falecido) João Vitor. E essa mostra tinha o intuito de mostrar um museu como ambiente para as diversas maneiras de consumir arte.
Mesmo com essas alternativas, sinto que o consumo de arte poderia ser melhor, mas sinto também que a sociedade coloca expectativa que todo o trabalho de divulgação e promoção seja feito pelo museu, sendo que esse papel também é do galerista, de pensar em como as galerias podem ser um espaço mais popular, principalmente para aquisição e consumo de obra de arte.
Os museus precisam atuar como indutores de cultura, discutindo o agora e sendo o lugar de diversidade. Penso que poderíamos trazer os galeristas e galerias para a discussão sobre consumo de arte.
ABMP: Em muitos centros históricos de cidades da Europa ou América Latina, temos um nível de conservação e uso das edificações muito grandes. Na Bahia, especificamente, é possível notar avanços, principalmente no Pelourinho e Comércio. Ao mesmo tempo, sabemos que muita coisa precisa ser feita, como na região do Carmo, Soledade e Baixa dos Sapateiros. De uma maneira geral, pontue como o Ipac enxerga o futuro do Centro Histórico de Salvador no que diz respeito à manutenção e uso do patrimônio histórico.
JCO: É preciso fazer uma introdução. O Centro Histórico de Salvador (CHS) é muito maior que o Pelourinho, vai até os bairros do Barbalho, Soledade, Nazaré, Liberdade, Comércio e Campo Grande, por exemplo. Por isso, faz-se necessário entender que houve, nos anos 70, na capital baiana, um vetor de indução ocupacional para outros locais, esvaziando politicamente e economicamente o centro antigo, caracterizando até um abandono.
Em razão disso, para o futuro, acredito que precisamos de uma legislação municipal mais agressiva com o abandono, aplicando notificações mais pesadas e/ou aumentando o IPTU. É nesse momento que precisamos pensar com o viés da habitação, de ter e aplicar um planejamento do tipo de longo prazo, pois cidade não se resolve com uma gestão e em pouco tempo, e sim em uma, duas ou até três décadas.
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