Entrevista: Leonardo Leal e Mayara Stelle – Sleeping Giants

fev/2022

“Como cidadãos, víamos a desinformação com um enorme palco, gerando um problema real para o Brasil. E com o Sleeping Giants, ficou aberta a possibilidade de cada um contribuir à sua maneira, e é assim que acontece. Todos os seguidores trabalham conosco combatendo a desinformação. “         

                                                                                                                                                                        

Leonardo Leal e Mayara Stelle não são somente um casal de estudantes de Direito, são os idealizadores e coordenadores do Sleeping Giants Brasil, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo desmonetizar projetos com conteúdo desinformativo ou de fake news. Em um ano de atuação no país, cerca de R$14 milhões em publicidade foram retirados de sites que, de alguma maneira, atacam instituições, pessoas ou boas práticas de combate ao Covid-19.

Nesta entrevista para a ABMP, Leonardo e Mayara, juntos, contam um pouco sobre o Sleeping Giants, metodologia de trabalho, projetos futuros, e dão pitacos sobre a corrida eleitoral ideal de 2022, baseada na ética na publicidade.

ABMP: Quando e como vocês tiveram acesso ao Sleeping Giants dos Estados Unidos? A partir daí, como surgiu o insight de replicar o projeto no Brasil?

LL: Estávamos cansados de ficar em casa sem trabalhar e estudar por conta da pandemia. Por essa razão, resolvemos antecipar a produção do TCC sobre fake news e discurso de ódio, mesmo estando no 3º ano de curso. Entretanto, numa noite de insônia, li no El País uma matéria sobre o movimento que arruinou a extrema direita, fazendo grupos perderem cerca de oito milhões de euros. Lendo o conteúdo, me vi motivado a fazer alguma coisa para combater isso, aí criei o perfil e começamos a trabalhar nele, muito mais na vontade do que dentro de uma estrutura de planejamento.

MS: O perfil foi criado muito por conta de uma sensação de impotência. Como cidadãos, víamos a desinformação com um enorme palco, gerando um problema real para o Brasil. E com o Sleeping Giants, ficou aberta a possibilidade de cada um contribuir à sua maneira, e é assim que acontece. Todos os seguidores trabalham conosco combatendo a desinformação.

 

ABMP: Sobre o início do Sleeping Giants, o primeiro alerta foi sobre o site O Jornal da Cidade Online, focado em conteúdos sobre política. Em seguida, vocês atuaram em campanhas contra o escritor e filósofo Olavo de Carvalho e o apresentador de TV, Sikêra Júnior. Nas três situações, como vocês definiram os personagens e quais critérios foram definidos para conduzir o trabalho de vocês?

MS: Foi muito através da vivência. No caso do Jornal da Cidade, primeiro case, a escolha se atribuiu ao fato de ser uma página com enorme engajamento no Facebook, tendo até mais comentários e curtidas que veículos tradicionais. Através das redes sociais, eles lucravam muito e tinham, como principal bandeira,conteúdo de desinformação sobre a covid-19.

LL: E nesse caso do Jornal da Cidade, começamos a campanha abordando a questão da mídia programática, depois o crowdfunding que o site tinha. Por fim, finalizamos com ação de combate ao sistema de uso. Essa foi a nossa metodologia, percebendo como o site se mantinha.

Já com o Olavo foi bem diferente. Precisamos ir até as empresas de transações financeiras que eram utilizadas para o financiamento. Buscamos duas companhias que eram utilizadas com esse fim e uma nos atendeu super rápido. Em menos de um mês a campanha foi retirada do ar.

No caso de outra, houve uma resistência (em encerrar a campanha). Por isso, recorremos aos investidores estrangeiros para pressionar. E, nesse processo,encontramos uma empresa investidora canadense que tinha alguns princípios governamentais, como não investir em empresas machistas, racistas ou homofóbicas. Diante disso, interpretamos que Olavo propagava tudo isso, criamos uma notificação extrajudicial de 15 páginas e um site de pressão que arrecadou 500 mil assinaturas. Após oito meses de campanha, ele foi retirado da plataforma.

No caso do Sikêra, já se trata de algo distante da mídia programática, por isso a metodologia foi outra. Estamos falando de um programa da TV, da mídia tradicional. Fomos entendendo a situação e atuando junto com o mercado publicitário, profissionais da área e agências.

ABMP: Vocês mexem num terreno perigoso. Obviamente, atraem a atenção de inimigos e haters. Como vocês lidam com isso? Mediam as consequências antes de começar com o projeto? Além disso, como vocês se protegem de possíveis ataques?

MS: Ainda não sentimos muito as retaliações. Por conta da pandemia, tudo ficava muito preso ao online. Agora, nesse momento de retomada, de ações presenciais, acredito que vamos sentir mais os efeitos. Mas estamos tomando cuidado, principalmente com o que postamos nas nossas redes sociais pessoais. Fora isso, instalamos câmeras nas nossas casas, por questões de segurança.

LL: No meu caso, meio que recomendei a minha família a evitar se expor muito na rua. Para se ter uma ideia, já fomos atacados e expostos pelo Sikêra no programa dele. Tomamos esses cuidados e vivemos eternamente num estado de atenção.

Fundadores do Sleeping Giants Brasil, Mayara e Leonardo participaram do Scream Festival, realizado em dezembro de 2021 em Salvador

ABMP: De que maneira as próprias empresas podem verificar sua mídia programática para que seus conteúdos publicitários não sejam veiculados em sites propagadores de fake news?

MS: Acredito que as empresas têm dificuldade de parar o setor de marketing e fazer uma listagem dos sites que devem receber os anúncios publicitários. O primeiro passo é esse, na minha visão. Esse cuidado já seria o suficiente para barrar muitos sites que propagam fake news.

LL: Por conta do Sleeping, hoje mantemos contato com diversas empresas e há a discussão da criação de uma blocklist, dos 30, 50, 100 maiores sites do Brasil que são disseminadores de fake news que geram impacto e possuem alcance. Esse produto está em desenvolvimento e já é bem aceito no mercado.

Mas o mais importante é que, hoje, empresas nos comunicam que realizaram ações de combate às fake news, sem esperar o Sleeping cobrar.

ABMP: As eleições de 2016 nos Estados Unidos foram pautadas pela fake news e desinformação. Durante o Brexit, as mesmas queixas foram feitas. Já nas eleições de 2018 no Brasil, esse assunto voltou a virar pauta. Diante disso, visando as eleições deste ano, quais lições o Brasil pode aprender para fazer uma corrida política baseada na ética na publicidade em 2022?

LL: O livro ‘Como as democracias morrem’, do Steven Levitsky, traz um paralelo muito interessante: a política democrática funciona muito mais através de acordos do que de legislações. Fazendo um novo paralelo, mas com o futebol, é possível notar que a partida só acontece porque as duas equipes seguem as regras e respeitam o árbitro.

Portanto, acredito que, acima de tudo, é preciso que haja um acordo, com todos os candidatos dispostos a cumprirem regras, com o processo eleitoral e resultado. A maior preocupação é se vão legitimar a eleição.

Mas, dito isso, conforta o fato das pessoas estarem mais atentas. A sociedade identificou a fake news como um problema. Há dois, três anos, o Sleeping seria jogado para um lado político, e hoje não, a sociedade entende que a desinformação precisa ser combatida, e muito provavelmente não vai tolerar novos ataques.

Crédito fotos:  José Cavalcante

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