Entrevista: Zé Pescador – Diretor Presidente da Organização Sócio Ambientalista Pró-Mar

jan/2021

 

“Quem ama o mar não suja a casa de Yemanjá. Lugar de navio velho não é no fundo do mar. Para isso, existem estaleiros e profissionais da construção naval e civil para fazer o descomissionamento.”                                                                                                                                                                    

                                                                                                                                                                 

 

 

 

À frente da Organização Sócio Ambientalista Pró-Mar, instituição sediada em Mar Grande, na Ilha de Itaparica, que fundou há mais de 20 anos, Zé Pescador, é um dos nomes de destaque na conservação e recuperação do ecossistema marinho na Baía de Todos os Santos (BTS).

O apelido que, praticamente, virou um sobrenome, vem da profissão de origem que largou quando bateu a consciência dos prejuízos causados pela pesca predatória. Desde então, o problema virou a chave para a transformação pessoal, social e ambiental na região. Promoveu cursos de capacitação na área de pesca, ecoturismo e navegação, estabeleceu políticas de fortalecimento institucional, realizou ações de limpeza submarina dos recifes de coral da Ilha de Itaparica e outras atividades educativas para o público do infantil ao adulto.

Atua ainda como responsável no Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) do Plano de Prevenção, Controle e Monitoramento do coral-sol na costa brasileira, é líder na Fundação Avina desde 2000, entre outros projetos. Zé Pescador foi um dos especialistas participantes do Scream Festival 2020, no painel sobre a importância e potencial da BTS, assunto que traz expectativas, prosperidade e desafios aos setores público, privado e civil da Bahia, conforme narra nesta primeira entrevista de 2021 para a ABMP.

 

ABMP: O conceito de economia azul tem como base o equilíbrio entre o investimento responsável e oceano sustentável, ou seja, trata-se de uma oportunidade de negócios sem prejuízos ao meio ambiente. Como está a Bahia nesse segmento? O que falta para o estado alavancar no setor?

ZP: A Bahia tem avançado pouco neste tipo de economia. O gerenciamento costeiro do litoral é deficitário, como também a falta de investimentos no monitoramento dos ecossistemas marinhos. As iniciativas não acontecem de forma integrada e, principalmente, as estratégias de conservação nem sempre tem apoio e alcance nas políticas públicas na Baía de Todos os Santos, por exemplo.

Nem o plano de manejo, instrumento básico para gestão da Área de Proteção Ambiental deste território foi realizado. Então, temos um órgão ambiental que poderia ser o catalizador e mobilizador para promover o desenvolvimento econômico nesta importante área do nosso estado, mas, na prática, pouco acontece. Uma gestão ambiental mais técnica e menos política poderia ser uma possível solução para este caso. 

 

ABMP: Tanto a atual gestão municipal, quanto estadual, estão engajadas em fomentar o potencial econômico da BTS e outras regiões da Bahia banhadas pelas águas. Como avalia esse trabalho até agora?

ZP: Há avanços significativos tanto do município quanto do estado. Acompanhamos o envolvimento da gestão municipal para a criação do Parque Marinho da Barra, como um local que irá favorecer a conservação marinha e a geração de negócios. Por sua vez, o Prodetur, realizado pela Secretaria de Turismo do Estado e o BID, estão criando as condições de infraestrutura para o desenvolvimento do turismo sustentável, fazendo um trabalho importantíssimo para o desenvolvimento econômico da BTS, com investimento para o fortalecimento social e inclusão de comunidades tradicionais. Também há de se destacar os cuidados com o meio ambiente, restaurando ambientes naturais, implementando medidas de controle e monitoramento da bioinvasão do coral-sol nos equipamentos náuticos como marinas, atracadouros e terminais marítimos. É importante destacar essas iniciativas que o município e o estado tiveram como cuidado à proteção ambiental de ambientes marinhos.

 

ABMP: Há menos de dois meses, em novembro do ano passado, a embarcação Agenor Gordilho e o rebocador Vega foram afundados na BTS com o intuito de fomentar o turismo náutico, de pesca e mergulho. Trata-se de um caminho saudável para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do estado?

ZP: Não vejo desta forma. A Baía de todos os Santos não é um local que carece deste tipo de iniciativa para fortalecer o turismo náutico, mais especificamente o próprio mergulho. Temos muitos ambientes naturais de beleza ímpar e até mesmo naufrágios históricos. As operadoras de mergulho de Salvador têm padrão de qualidade internacional e os operadores são pessoas sensíveis à questões ambientais, e que não devem se deixar levar por este tipo de política pública que incentiva o afundamento de sucata utilizando o conceito de recifes artificiais. Há tantos recifes naturais aqui precisando de proteção, conservação, gestão e manejo. Contudo, creio que não será algo que venha se tornar comum. Quem ama o mar não suja a casa de Yemanjá. Lugar de navio velho não é no fundo do mar. Para isso, existem estaleiros e profissionais da construção naval e civil para fazer o descomissionamento. Vejo este caso como uma boa forma das empresas se livrarem  dos seus passivos ambientais lançando no fundo do mar.

 

ABMP: Hoje, quais são as principais ameaças para a Baía de Todos os Santos?

ZP: A falta de gestão integrada, com um ambiente de diálogo ativo onde todos os usuários e/ou grupos interessados no território possam contribuir no planejamento e desenvolvimento dos projetos. Isso evitaria uma série de conflitos sociais e de território que vemos, principalmente, entre as comunidades tradicionais de pesca da BTS. A falta de gestão permite que os lançamentos de efluentes industriais, que já duram décadas sem fiscalização, sem pagamentos de multas, sem implementar medidas para retirar estes efluentes do mar, permaneçam acontecendo em locais onde pescadores e marisqueiras vão em busca do seu alimento. Isso pode comprometer a qualidade ambiental dos ecossistemas e vem ameaçando a segurança alimentar das populações que vivem da pesca na baía.

 

ABMP: Mudanças climáticas e poluição, especialmente, por plástico, tem gerado alertas e campanhas constantes na mídia, redes sociais e outros espaços. A população está reagindo positivamente a estes alertas ou precisa ainda de muito trabalho para sensibilizar as pessoas quanto às consequências geradas pelos hábitos sem medir consequência?

ZP: A educação ambiental é a principal ferramenta para resolver estas questões, é um trabalho que precisa acontecer constantemente. Ensinar as pessoas a pensar, a perceber que fazemos parte de um todo e que pequenas atitudes podem fazer toda diferença para o mundo ficar melhor. Precisamos ter responsabilidade com o que estamos consumindo e, posteriormente, descartando: latas, garrafas, sacolas, objetos de metal, vidro plástico, borracha, tecido. O plástico pode se destacar ainda mais no ambiente marinho, isso porque ele faz parte da nossa vida desde que nascemos. Nunca vi uma sacola caminhar até a praia e mergulhar no mar. Nossos hábitos de pós consumo é que precisam mudar. O que acontece é que o plástico no mar evidencia toda nossa forma de ignorar o que existe embaixo das águas e os prejuízos para vida marinha e para a nossa própria qualidade de vida com o descarte irresponsável do lixo que nós produzimos e que pode chegar no mar.

 

ABMP: Você marcou presença no Scream Festival 2020, no painel “Salvador: Baia de Todos os Santos – Capital da Amazônia Azul ao lado do diretor da WWI Brasil, Eduardo Athayde, da jornalista e ativista ambiental, Mayara Padrão, e do ex-secretário da cidade sustentável da capital baiana, André Fraga, eleito vereador de Salvador para a próxima gestão. Como foi esta experiência pra você? Quais pontos abordados no painel merecem o destaque?

ZP: O festival é sensacional, fiquei muito feliz de participar. Bom, levamos uma apresentação de uma iniciativa que estamos empreendendo na Baía de Todos os Santos, que é a restauração de corais, utilizando materiais como a argila, cimento e areia, cimento e coral-sol triturado, para construção de sementeiras onde estaremos plantando mudas de corais nativos, para restauração de áreas degradadas com ausência de corais.

Então, a criatividade está nos experimentos científicos para restauração de corais. As atividades de manejo, controle e monitoramento de bioinvasão do coral sol na BTS favorece a produção de conteúdo para divulgação científica e engajamento de pessoas, para conservação dos recifes de coral. Acho que a proposta de criação da agência de gestão da Baía de todos os Santos, sugerido há muitos anos pelo Eduardo Athaíde, e o turismo regenerativo apresentado pela Maiara, assim como a gestão da APA BTS, são pensamentos convergentes para a sustentabilidade da região.

 

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