O necessário preço da incerteza
Crime de responsabilidade. Crime de falsidade ideológica. Interferências políticas na autonomia da justiça. A negação da sustentação de toda a base de um discurso. Gravíssimo.
Freud já nos falava da nossa predisposição natural a recusar fatos que contrariassem a nossa visão de mundo. Já fazíamos isso na infância, quando delegávamos, sem restrições, o poder a um pai soberano, em nome de quem renunciamos à nossa capacidade de arbítrio. Mas até onde iremos nesse infantil fundamentalismo que prescinde a argumentação?
Quero voltar a 2018. O eleitor, tradicional descrente na política e em estado de revolta com o PT, resolve apostar na pessoa de um político. E o populismo, renasce. Há sempre uma instrumentalização de frustrações insuflando esses movimentos. A formação de opinião navegava na troca agressiva de acusações sustentada por discursos que dispensavam fatos, onde qualquer dissenso, surpreendentemente, parecia implicar na anuência com o seu oposto, atestando a superficialidade do pensamento vigente.
Conheço de perto grande parcela dos eleitores de Bolsonaro e a muitos daqueles que lhe delegaram este poder, o fizeram movidos por um sentimento difuso de rompimento com um estado das coisas que dialogava com o próprio desamparo, oferecendo a sedutora saída no raivoso exercício de militância. Muitos descrevem esta opção como sendo um ato que em circunstâncias menos dramáticas, não o fariam. E parte considerável desses eleitores intimamente temiam terem feito uma escolha que conduziria o país a um retrocesso em relação às liberdades democráticas. E hoje, embora neguem, ainda temem – seja para evitar o flagelo do pressentimento do engano, seja para não conceder ao fraquejamento nas convicções.
Precisamos partir para uma necessária reflexão acerca do que nos conduziu até aqui. A questão agora não é quem errou mais, mas encarar as contradições para romper com essa espécie de alucinação coletiva. Muitos de nós nos deparamos com a verdade que nos foi jogada na cara e precisamos ter a coragem de admitir que o rei está nu. Nossa tarefa agora é refletir sobre a parte que nos cabe nisso tudo para não inviabilizar a sequência do processo democrático. Não temos saída a não ser aproveitarmos essa chance e começar o processo de expurgação, freando a fixação no feroz embate entre quem é o vilão ou o mocinho e nos recriarmos como nação adulta. E só daremos esse passo ao tirar as vendas dos olhos e admitirmos a possibilidade de estarmos errados, abaixando-se assim o muro das certezas cegas, responsável pelo enfraquecimento da razão. Abrir mão do conforto das aconchegantes ilusões infantis é um preço importante a se pagar para chegarmos mais perto da verdade e cessarmos a instrumentalização do fanatismo cego tão insuflado no eleitor brasileiro.
Karin Koshima
karinkoshima@terra.com.br

Karin Koshima
Colunista
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